16.10.06

Liberdade!


Porque me parece MUITO importante e actual, transcrevo este artigo publicado no JN de Portugal e que a minha atenta amiga Maria http://romadevidro.blogspot.com/ enviou!!
Para se ser livre é preciso coragem, muita coragem. E, desde logo, coragem para uma escolha fundamental, a do respeito por si mesmo. Porque é bem mais fácil sobreviver acobardando-se do que escolher viver livremente. Os locais de trabalho, a vida política, a mera existência social, estão (basta olhar em volta) cheios de cobardes de sucesso. O jornalismo não é, e porque haveria de ser?, excepção, pois a pusilanimidade e a cumplicidade dão menos incómodos e rendem mais que a dignidade. Mas, enquanto na vida politica e social, o preço da liberdade é a solidão (as águias, como Nietzsche escreve, voam solitárias; os corvos andam e grasnam em bandos), no jornalismo o preço é às vezes a própria vida. Anna Politkovskaya escolheu a liberdade e pagou com a vida.

Mas a Rússia é um lugar longínquo e entre nós não se dão tiros na nuca a jornalistas, na pior das hipóteses despedem-se. É, por isso, fácil chorar por Anna Polit-kovs-kaya, basta só um pouco de falta de pudor. Assim, os jornais portugueses (e do mundo inteiro, acrescentamos nós) encheram-se nos últimos dias de grasnidos e lágrimas de crocodilo vertidas por gente que, na sua própria vida profissional, escolhe o salário do medo. Alguns conheço-os eu e, como no soneto de Arvers, hão-de ler-me e perguntar "De quem falará ele?".
Manuel António Pina
In: J. N. 2006.10.10