30.3.07

Memorial


Hoje, como rotineiramente acontece todas as manhãs quase madrugada, um pequeno pardal cantador pousou nas grades da janela do quarto principal do castelo e ensaiou o seu cantico habitual, qual Pavaroty de penas.

A Princesa, que já se habituou aquela visita matinal e acredita cegamente na ancestral sabedoria do pai e ele afirma categoricamente que ele, o Pavaroty, pousa ali apenas para lhe dizer bom dia, acordou-me aos gritos.

-Pai.. Pai... ele voltou!

-Ele quem? Perguntei estremunhado debaixo do efeito da babalaza crónica das manhãs.

– Ele... o passarinho... voltou para dizer-me outra vêz “bom dia, menina linda”!

Intrigado com a expressao voltou outra vêz, promovi um inquerito familiar na pessoa da matriarca, alteza do sitio e decifradora habitual daquelas charadas infantis. Que significava aquele voltou? o bicho afinal tinha desaparecido?


-Que sim!, explicou-me a rainha mãe. Desde o dia dos rebentamentos do paiol o animal nunca mais tinha voltado pela manhã e a Princesa andava triste com a ausência do galante trovador.

A ingenuidade e pureza da Princesa culminou num abraço demorado, meigo e cheio de ternura entre “o melhor pai do mundo” e a “filha mais linda do mundo” sobe o olhar ciumento do resto da corte, incluindo amas e serviçais.

Minutos depois não pude deixar de pensar que precisamente á uma semana atrás, da irresponsabilidade e incuria de alguns, confirma-se agora que inimpútaveis, resultou que dezenas de crianças princepes e princesas como a minha, nunca mais ouçam os passaros dizer “bom dia” nem possam abraçar os pais. E tambem eles, reis e rainhas do seu reino eram de certeza os melhores até ao dia em que o seu mundo terminou daquela forma absurdamente evitável.

28.3.07

Rotinas!!

Amaram-se de acordo com os canones da rotina habitual. Ela por baixo, ele por cima esperando o sinal dela. Nada de novo. Nada de beijos ou caricias extras. Apenas sexo, rotina pura, obrigação mutua por cumprir. Quente apenas o mal suportado calor do quarto mal arejado.

Ele transpirando e arfando do esforço fisico, controlava a torrente usando o velho truque de visualizar a sombria cara da sogra megera, ministrando-lhe um dos habituais sermões.

Ela tentando resumir-se naquilo dentro dela, com a cabeça cada vez absorvida nas contas por pagar, na gripe do filho que dormia no quarto ao lado e nos problemas do serviço. Sem qualquer possibilidade de concentração ou prazer. Os olhos fixos no tecto e as gotas de suor que caiam do peito dele directamente no seu rosto inundavam-lhe os olhos de sal. E o peso dele que aumentava a cada mês, ameaçando transforma-lo num bisonte sem fim, incomodava-a e amassava-lhe o corpo.

Sentiu que ele estava já em dificuldades de contenção orgásmica e evidente quebra fisica. A contragosto improvisou um arfar mais fundo e audível! Ele, oportunista, sentiu o sinal e aproveitou para explodir com um reprimido ...ohhhh!!!

Ela fingiu um baixinho ...ahhhh! ainda a tempo de se misturar com o reprimido ...ohhhh!

Ele saiu de cima e enfiou rápidamente os boxers do avesso, agarrou um cigarro e o isqueiro e dirigiu-se ao WC. Ela suspirou de alivio, fechou os olhos e ficou atenta ao momento em que ele regressaria daquela higiene obrigatória. Quando ouviu a porta abrir-se saltou da cama e no corredor, núa, cruzou-se com ele.

-Boa noite amor!

-Boa noite! - disse ele já a bocejar, sem sequer a olhar.

Dez minutos depois deitou-se devagar ao seu lado tendo como companhia apenas o som forte e familiar do ressonar cavernoso que lhe saia do peito. Não demorou tambem a adormecer.

26.3.07

Voz sofucada!!


Os obuses da incúria e da irresponsabilidade
As bombas do desleixo e da indiferença
As balas da absurda impunidade
Os misseis da mentira que destroe a alma

E a voz do medo sufocada...

A tarde que anoiteceu em guerra
De um povo contra si proprio
O sangue gratuito derramado
Desnecessario rio que corre para a morte

E a voz do medo sufocada...

Resignados, recolhemos cadaveres sem nome
Ensurdecidos, escutamos as desculpas gastas
Em silencio, enterramos os mortos
Mudos, engolimos as lagrimas da revolta

E a voz do medo sufocada...

O peito apertado na dor
O grito que não sai da garganta

Patria, mãe amada,
Porque abandonas os teus filhos?

13.3.07

Incompabilidades!!


Abraças-me como se fosse este o teu ultimo mundo. Beijas-me como se nenhum principio ou meio tivesse fim. Amas-me no calor da ultima de muitas noites e usas-me durante as horas em que te sofregamente te amarei incondicionalmente. Amarras-me a ti com as correntes de sentidos que emanam do teu corpo contra o meu, porque convictamente sabes que nunca nos pertenceremos.

Incapazes de parar ou dizer não quando o desejo nos invade e um corpo impiedosamente reclama o outro. Muitas vezes ao longo de muitas luas e alguns eclipses. “Bué” de tempo que quase já se perde na sua própria memória.


Por falar nisso, recordas-te da primeira vez? Eu não. Nem sequer consigo lembrar em que esquina da cidade tropecei contigo. Mas recordo cada segundo cada pormenor, a ultima vez que te amei. Onde, como, e tudo muito que me ofereces. Mais e melhor que na anterior porque em cada encontro fazemos daquelas horas o inicio e o fim de uma vida. A paixao pela vida resumida na procura do extase.
"Não fomos feitos semelhantes para nenhuma das nossas muitas outras vivencias. Incompatibilidade de génios e diferenças insuperáveis de pontos de vista. Genética explica isso", dizes tu habitualmente perante a minha cordata e avisada concordancia.
"Para dançar um tango são necessários dois. Um par em perfeita sintonia. E nós só sabemos dançar tango em momentos destes. Na horizontal e num quarto alugado á hora, atingimos a nota máxima recompensadora não do esforço mas do prazer completo". Acrescentas, convicta.
"A tradicional mistura de preto e branco que nunca dará uma côr viva por mais experimentações que se tentem. Por isso mais vale continuar-mos assim cada um no seu mundo ate que encontremos outros objectivos capazes de suplantar este avassalador desejo mutuo." Contra tais argumentos so sei usar o silencio.

..... "Até á proxima noite minha amante e amiga. E que seja em breve. Para que o teu embriagante cheiro a femea não se desvaneça e o desejo de ti nunca corra o risco de se esquecer de me recordar". Acrescento agora eu em pensamentos, na receosa duvida de que se me ouvisses falar assim, poderias mudar de opinião acerca das nossas incompatibilidades e descobrir a verdade acerca daquilo que me obriga a ti.