2.11.05

A noite e a cidade


Embrenho-me na noite morna
Por entre as ruas esburacadas da cidade.
Procuro um não sei de quê ou porquê.
Quando ando ás cegas deixo-me guiar

Pelo formato alongado das sombras

Pela contramão dos sons de passos sem dono

Pelos acordes de portas envelhecidas

Por instintos naturais porque nascidos ali no momento

Filhos de uma decisão que definitivamente não controlo

Mas que me leva.
Na jornada ofereço-me uma viagem da verdade
Apenas possível de sentir na noite
Dos corpos desvalidos sem abrigo
Dos rostos assustados e sedentos
Da ansiedade feita carne quase morta
Da oferta feita dádiva de amor pago e urgente
Cega, irreal, desamada.
Na vertigem desta lansidão sem rumo
Na procura do nada e de tudo
Encontro-me comigo na noite da cidade.

A falta de amôr


Dizem que os poetas vivem mais intensamente.
E eu que não sou poeta, nem de rua,
Que sou frio, materialista e até céptico,
Que piso na terra fria sem sentir o seu aroma,
Que olho todos os dias o mar rebelde e não o vejo,
Que recebo no rosto o sol da vida e não o sinto,
Que ando ao luar sem sequer olhar a lua,
Vivo agora os dias de forma tão sentida e tão dorida
Que se fosse poeta, gritaria á terra, ao mar, ao sol e á lua,
Quanto vos agradeço por existirem, quanto vos devo neste momento.
Porque a ausência do teu amôr construiu em mim um sêr diferente,
Deu-me luz aos olhos e sentidos á vida
E de forma sublime, arrebatadora e eloquente,
Misturou teu rosto em tudo o que me rodeia,
Impôs-me a tua imagem necessária e urgente.
E assim descobri a intensidade da vida dos poetas,
A força imperiosa e infinita, da reconquista de um amor,
E com ela, a razão porque ainda vale a pena a vida.