24.12.10

Festas amargas!



PARÁBOLA DAS TRISTES DÉCADAS

«Há trinta e cinco anos que vocês nos manipulam, nos dominam, nos mentem, nos omitem, nos desprezam.
Há trinta e cinco anos que nos roubam, não só os bens imediatos de que carecemos, como a esperança que alimenta as almas e favorece os sonhos.
Há trinta e cinco anos que cometem o pior dos pecados, aquele que consiste na imolação da nossa vida em favor da vossa gordura.
Há trinta e cinco anos que traem a Deus e aos homens, sem que a vossa boca se encha da lama da mentira.
Há trinta e cinco anos que criam legiões e legiões de desempregados, de desesperados, de açoitados pelo azorrague da vossa indignidade.
Há trinta e cinco anos que tripudiam sobre o que de mais sagrado existe em nós.
Há trinta e cinco anos que embalam as dores de duas gerações de jovens, e atiram-nos para as drogas, para o álcool, para uma existência sem rumo, sem direcção e sem sentido.
Há trinta e cinco anos que caminham, altaneiros e desprezíveis, pelo lado oposto ao das coisas justas.
Há trinta e cinco anos que são desonrados, torpes, vergonhosos e impróprios.
Há trinta e cinco anos que, nas vossas luras e covis, se acoitam os mais indecentes dos canalhas.
Há trinta e cinco anos que se alternam no mando, e o mando é a distribuição de benesses, prebendas, privilégios entre vocês.
Há trinta e cinco anos que fazem subir as escarpas da miséria e da fome milhões de pessoas que em vocês melancolicamente continuam a acreditar.
Há trinta e cinco anos que se protegem uns aos outros, que se não incriminam, que se resguardam, que se enriquecem, que não permitem que uns e outros sejam presos por crimes inomináveis.
Há trinta e cinco anos que vocês são sempre os mesmos, embora com rostos diferentes.
Há trinta e cinco anos que os mesmos jornais, sendo outros, e os mesmos jornalistas de outra configuração, sendo a mesma, disfarçam as vossas infâmias, ocultam as vossas ignomínias, dissimulam a dimensão imensa dos vossos crimes.
Há trinta e cinco anos sem vergonha, sem pudor, sem escrúpulo e sem remorso.
Há trinta e cinco anos que não estão dispostos a defender coisa alguma que concilie o respeito mútuo com a dimensão colectiva.
Há trinta e cinco anos que praticam o desacato moral contra a grandeza da justiça e a elevação do humano.
Há trinta e cinco anos que, com minúcia e zelo, construíram um país só para vocês.
Há trinta e cinco anos que moldaram a exclusão social, que esculpiram as várias faces da miséria e, agora, sem recato e sem pejo, um de vocês faz o discurso da indignação.
Há trinta e cinco anos começaram a edificar o medo, e o medo está em todo o lado: nas oficinas, nos escritórios, nos entreolhares, nas frases murmuradas, na cidade, na rua. O medo está vigilante. E está aqui mesmo, ao nosso lado.
Há trinta e cinco anos encenaram e negociaram, conforme a situação, o modo de criar novas submissões e impor o registo das variantes que vos interessavam.
Há trinta e cinco anos engendraram, sobre as nossas esperanças confusas, uma outra história natural da pulhice.
Há trinta e cinco anos que traíram os testamentos legados, que traíram os vossos mortos, que traíram os vossos mártires.
Há trinta e cinco anos que asfixiam o pensamento construtivo; que liquidaram as referências norteadoras; que escarneceram da nossa pessoal identidade; que a vossa ascensão não corresponde ao vosso mérito; que ignoram a conciliação entre semelhança e diferença; que condenam a norma imperativa do equilíbrio social.
Riam-se, riam-se. Vocês são uma gente que não presta para nada; que não vale nada. Malditos sejam!»

[Jornal de Negócios - Baptista Bastos]

1.12.10

Os assassinos impunes!



Relembrando que aquele(a)s que sabendo-se infectado(a)s, conscientes da impunidade continuam a seduzir e fazer novas vitimas inocentes sem que nada se faça legalmente contra ele(a)s.

Mais de 50% das transmissões dão-se a partir de um dos membros que sabe ou suspeita ser portador do virus mas não toma qualquer atitude de defesa do seu/sua parceir(o)a usando preservativo ou informando antes o facto. Em grupos onde o sexo ocasional é comum, uma transmissão corresponde a vários novos casos em curto espaço de tempo.

Práticas tradicionais arreigadas, curandeiros, parteiras rurais e feiticeiros, principalmente nas comunidades rurais, contribuem muito para a disseminação apesar de a informação dos riscos ter sido já amplamente dufundida.

É urgente a equiparação legal destes actos á pratica de tentativa de homicidio voluntário e a criminalização efectiva dos intervenientes.

Em Moçambique, oficialmente, os numeros das estatisticas, os orfãos e as familias destruídas, não param de aumentar! O unico ganho tem sido a transmissão vertical de mãe para filho onde se registam timidos avanços. Apesar das campanhas permanentes, das inumeras organizações a trabalhar no assunto e de muitos milhões em divisas gastos em prevenção, sensibilização e apoio, são quase 3 milhões de infectados (12,5% da população) e  confirmados nos centros de saúde e hospitais mais de 500 novos casos em cada dia. Apenas cerca de 200 mil (8%) são acompanhados regularmente e se medicam. Acontecem 60 mil mortes anualmente (165 por dia). Existem cidades como Manica onde a prevalência atinge os 19%. O impacto socio-económico destes números, nos factores de desenvolvimento do País è absolutamente avassalador e impossível de quantificar. E note-se que, por se tratarem de numeros oficiais provenientes de instituições de Estado, muito provávelmente pecam por defeito sendo a realidade ainda muito mais aterradora dado que grande parte, senão a maioria, da população não tem acesso ou não recorre a estas instituições regularmente.

Africa no global tem 70% dos infectados em todos o mundo. São 22,5 milhões de pessoas, o que corresponde ao total da população de Moçambique.

Em todo o mundo já morreram 30 milhões de pessoas por e com problemas de saúde derivados desta epidemia.

Estamos à espera de quê para dizer basta e parar esta hecatombe?

26.11.10

Tempos de Luta


Elogio da Dialéctica


A injustiça avança hoje a passo firme
Os tiranos fazem planos para dez mil anos
O poder apregoa: as coisas continuarão a ser como são
Nenhuma voz além da dos que mandam
E em todos os mercados proclama a exploração;
isto é apenas o meu começo

Mas entre os oprimidos muitos há que agora dizem
Aquilo que nós queremos nunca mais o alcançaremos
Quem ainda está vivo não diga: nunca
O que é seguro não é seguro
As coisas não continuarão a ser como são
Depois de falarem os dominantes
Falarão os dominados
Quem pois ousa dizer: nunca
De quem depende que a opressão prossiga? De nós
De quem depende que ela acabe? Também de nós
O que é esmagado que se levante!
O que está perdido, lute!
O que sabe ao que se chegou, que há aí que o retenha
E nunca será: ainda hoje
Porque os vencidos de hoje são os vencedores de amanhã.

Bertolt Brecht

9.11.10

Rosas e espinhos


Plantei uma roseira num vaso que coloquei num local nobre do jardim e que se recusa ano após ano a oferecer-me uma rosa que seja, esquecendo que uma das principais funções de uma fêmea mesmo que roseira é gerar filhos. Estimo-a e trato-a com enlevo. Chego até a amá-la por mais estranho que isso pareça. Ofereço-lhe água todos os dias e periodicamente estrumo-lhe a cama. Protejo-a do frio do inverno, do sol escaldante, do vento agreste e da chuva intensa. Canto-lhe antigas canções de luta, as únicas que decorei dos tempos empolgantes em que ainda acreditava em causas, ao mesmo tempo que lhe remexo lentamente a terra á volta do caule. Chego até a recordar-lhe a minha sincera desilusão por ela não querer dar-me apenas que seja uma rosa e assim retribuir o muito tempo e trabalho que lhe dedico. Das expectativas goradas em um dia sentir o aroma de uma rosa fruto da nossa relação unica. Um dia destes falei-lhe de memória, um poema de um poeta excomungado que morreu enlouquecido pela loucura do mundo. No outro contei-lhe resumidamente a historia dum príncipe que abandonou o seu planeta numa viagem por outros planetas, mas nunca se desligou de uma roseira que lá deixou. De nada tem servido. Indiferente e altiva pareceu nem me escutar apesar de eu saber que ela me ouve e vê pois quando dela me aproximo demasiado as folhas ficam mais verdes e eriça os espinhos de forma ameaçadora.

Estou a pensar em mudar a forma de interagir com ela. Vou abandonar as palavras doces e os cuidados extremos e passar a ser rude e descuidado. Passa a dormir todas as noites ao luar e vou comprar uma daquelas tesouras especiais e umas luvas próprias e podar-lhe os vários rebentos e os espinhos que dela emanam. E vou fingir não me preocupar mais com ela dando maior atenção aos lírios do canteiro ao lado. Quem sabe se também as roseiras, tal como as pessoas, só entendem o verdadeiro sentido do amor e da amizade quando os perdem.

19.10.10

Consultores..




Assaltei esta Barbearia!!!

Andava um consultor pelo mato, num belo dia de Outono e encontrou um coelho espavorido já com três chumbadas nas orelhas:

O consultor – Coelho, porque estás espavorido e angustiado?

O coelho – Porque abriu a época da caça e andam por aí uns tipos armados que não me dão sossego.

O consultor – Esses caçadores atiram em tudo ou só atiram nos coelhos?

O coelho – Atiram nos coelhos e nos outros animais a que eles chamam de caça.

O consultor – Tens a certeza que eles não disparam contra as árvores?

O coelho – Sim, eles não disparam contra as árvores porque temem arranjar problemas com os seus donos.

O consultor – Então tenho solução. Tu, coelho, transformas-te em árvore e nunca mais és incomodado.

O coelho – Obrigado consultor, isso é uma grande solução. Como é que me posso transformar em árvore?

O consultor – Isso não sei, coelho. Como sabes eu sou um consultor. Arranjo soluções, não as implemento.



PS: Comadre... eu sei que os animais não falam...

17.10.10

Coisas Simples



Quero dizer-te uma coisa simples: a tua ausência dói-me. Refiro-me a essa dor que não magoa, que se limita à alma, mas que não deixa, por isso, de deixar alguns sinais - um peso nos olhos, no lugar da tua imagem, e um vazio nas mãos, como se tuas mãos lhes tivessem roubado o tacto. São estas as formas do amor, podia dizer-te; e acrescentar que as coisas simples também podem ser complicadas, quando nos damos conta da diferença entre o sonho e a realidade. Porém, é o sonho que me traz à tua memória; e a realidade aproxima-te de ti, agora que os dias que correm mais depressa, e as palavras ficam presas numa refracção de instantes, quando a tua voz me chama de dentro de mim - e me faz responder-te uma coisa simples, como dizer que a tua ausência me dói.

Nuno Júdice

29.9.10

Reencontros ao acaso


Logo pela manhã, reencontrar alguém na rua por mero acaso, pode ser uma forma de transformar um dia normal num dia fantástico. Principalmente se um pouco inocente toque de pele ou a memória de um perfume inesquecível te fazem voltar a momentos de paixão pura e verdadeira e te colocam dentro de uma história que por nunca ter tido um fim declarado tarde ou nunca será terminada. A arte da vida, reside afinal em coisas tão simples mas ao mesmo tempo tão ao sabor dos acasos.

Sabes, este encontro não foi apenas contigo. É que as saudades não são só de ti, são muito mais de mim quando te tinha. Desencontrei-me com o tempo e receio que só mesmo o acaso me traga dias tão bons como hoje.

20.9.10

O dia em que aprendi o que é estar morto

No blogue do Pedro e sem muito mais para dizer!
            

"Hoje, estive morto. Senti que toda a vida se escapava pelo ar que, aflito e a custo, respirava, enquanto as lágrimas eram gritadas, louco no carro, os olhos à procura, à procura, à procura.

Morri, ali. A minha filha deveria sair da Escola, na Parede, apanhar uma carrinha do ATL e eu ia buscá-la. O que é que aconteceu? O cartão da escola, que supostamente controla as entradas e saídas dos alunos, valeu zero. Ela saiu, porque viu uma carrinha de ATL e entrou. Era o ATL errado. Ninguém lhe perguntou o nome, não houve uma chamada, nada. Ela entrou com uma colega e só após duas horas de aflição indizível, comigo à procura dela por todo o lado, é que o telefone tocou. De um "After School", a perguntar se eu era o pai de uma Mafalda Ribeiro, que eles tinham, aflita, a pedir para ligarem ao pai. Aliás foi ela que falou: "papá?"
Durante duas horas, morri. Percorri ruas de possíveis percursos, olhei para todas as sombras, parques infantis, supermercados, escola antiga, liguei para os pais de colegas dela, todos os absurdos e horrores passaram pela minha cabeça, chamei o seu nome, entre choro, em ruas e em todos os recantos da escola. Nada. Evaporou-se. Horrível. Uma tristeza, uma aflição, um horror que nunca mais vou esquecer. E quando o telefone tocou e era ela, aquela voz doce da minha princesa, minha vida, meu ar, meu sopro de vida, eu soube o que era renascer. E desfiz-me em lágrimas de novo, e dali até ao tal After School, que teve a minha filha à sua guarda por engano, até ela pedir para ligarem ao pai, levei um segundo e levei toda a vida. Obrigado meu Deus, obrigado! Estacionei às tês pancadas, voei em passo trocado de nervos, pela rua fora, Mafaldinha, Mafaldinha, Mafaldinha, cego de amor aflito, só há descanso e vida quando a abraçar e estiver tudo bem.

Quando a abracei, e ela, agarrada a mim, me disse, apenas: "Olá Papá" eu soube que tinha renascido. E ela também, coitadinha.
Como cartão de visita da nova escola, estou esclarecido. Tantas referências boas e afinal é isto: no primeiro dia, por maioria de razão, deveria existir um ainda mais rigoroso controlo de entradas e saídas, mas quando cheguei o portão estava escancarado, como deveria estar quando a Mafalda viu uma carrinha do ATL a chegar, estava na hora e ela saiu da escola e entrou na carrinha. Ninguém perguntou nada, ninguém fez nada.

E um ATL mete um grupo de crianças numa carrinha, não pergunta nomes, não verifica nada e só ao fim de duas horas é que, perante a aflição de uma criança de 10 anos a pedir para ligarem ao pai é que se acaba com este horror?

Quando penso na forma como desaparecem crianças, para sempre, todos os dias, penso que esses pais e filhos terão sentido isto, e muitos, mesmo sobrevivendo, morreram para sempre.

Eu tive a sorte de poder renascer. E sei que, a partir de hoje, ganhei uma nova causa: fazer tudo o que estiver ao meu alcance para contribuir para uma Escola responsável, atenta, segura, onde os nossos filhos aprendem e podemos, enquanto pais, estar descansados. Quando depois desta tarde de horror, fui buscar o pequeno Gonçalo ao colégio e ele me disse, comprometido, "Papá, parti os óculos a jogar à bola" eu disse para mim: que importância é que isso tem? Nenhuma, realmente, não tem nenhuma importância.

Não podia dizer-lhe que o pai hoje tinha aprendido o que é morrer, e tinha tido a bênção de poder nascer de novo."

11.8.10

Não entendo...





Nos principais jornais do mundo a questão dos diamantes que alegadamente Charles Taylor ofereceu a Naomy Campbel é tratada como um assunto de importante que merece diariamente colunas e opiniões. Antes, durante e depois da modelo ter sido ouvida em Haia. Ontem eram as amigas presentes no tal jantar a contradizer as suas afirmações. Hoje é a citada a dizer por meias palavras que os factos têm 13 anos e Mia Farrow sofre de amnésia o que é bem possível seja verdade dada a provecta idade da senhora. Ou ao contrário o que também não me surpreenderia nada.

O que verdadeiramente me intriga nesta história e que nenhum artigo de jornal me eslarece é porque raio de razões, causas ou motivos, se juntam no mesma mesa ou mesmo debaixo do mesmo tecto, um facínora louco como Taylor e um vulto humanista com a dimensão universal de Nelson Mandela. Estes dois homens são a antítese um do outro. Que interesses os podem ligar? Ou os interesses eram apenas e só de quem organizou o jantar e Madiba foi enganado?

Já a presença das modelos e actrizes entendo. Nestes jantares de sociedade normalmente as flores fazem parte da decoração da sala. Ficam bem nas fotos das revistas e no final da festa existe sempre alguém interessado em levar para casa como recordação, as mais vistosas e frescas.

9.8.10

(In)disponibilidades


Ele aparenta uma calma serena. Quase sempre digno. Ás vezes apático mas, altivo e aparentemente seguro. Nunca ninguém o viu recuar apesar de já lhe terem apontado algumas fases de alguma indecisão. Considera-se experiente porque vivido. Pratica e cultiva o gosto de ouvir sem os julgar. Talvez por isso as más experiencias dos outros encontram um porto seguro no seu ombro. As boas, a recompensa de palavras de incentivo e aplauso e o porto seguro. Demasiadas vezes e demasiadas amantes, no momento da separação lhe disseram, que jamais esqueceriam a sua faceta de amigo, a sua disponibilidade e a sua capacidade para compreender e aceitar. O que ele intimamente acredita não abonar muito a seu favor porque demasiadas. A única pessoa de quem não é verdadeiramente amigo é dele mesmo, dado que compreende e relativiza facilmente qualquer erro grave de alguém próximo, mas é incapaz de encontrar uma brecha onde enterrar o seu próprio passado. E o presente também, por reflexo. Até porque evita pensar no futuro para não ter aquelas insuportáveis recaídas de hipertensão. O passado é como que uma mochila carregada de pedras de que nunca se desfaz senão quando dorme. Aí atormentam-no os sonhos que invariavelmente têm como personagem principal ele mesmo. Carregado de incoerências e arrependimentos. E os fantasmas de estimação, omnipresentes nas mais diversas situações influenciando e marcando o ritmo. Sempre os mesmos. Pesados como pedras carregadas numa mochila ás costas.

6.8.10

Momentos de Lucidêz



Pior do que a convicção de que estás melhor sozinho, é a convicção de que o outro está melhor sem ti.

roubado aqui

30.7.10

Desabafos no masculino...


Ela disse-lhe convicta que jamais poderia voltar a amar porque tinha fechado a vida com cadeados e jogado as chaves ao mar. E a responsabilidade era daquela tarde em que apanhara aquele com quem trocara votos de eterna fidelidade frente ao altar, a cheirar a perfume barato e ainda a apertar o cinto á saída daquela pensão na baixa. Que o simples facto de algum homem se aproximar dela com intenções que não fossem apenas profissionais, era suficiente para colocar a armadura desembainhar a espada e assumir uma posição de defesa que dizem os entendidos ainda é o melhor ataque para evitar surpresas. Que já tinha falado até com psicólogos e afins mas que nada havia a fazer. Que até o achava interessante e inteligente mas tinha á partida uma característica de género que a impedia de sequer colocar outra possibilidade que não fosse impedir qualquer tipo de aproximação. Que ser homem, é ser predador sem escrupulos nem principios. Que tal raça tem como característica principal não hesitar em se saciar em todas as mesas onde lhe abram as portas. Que todas as mulheres passam pelo mesmo. Até aquelas que vivem felizes ao lado deles só que não sabem ou não querem saber quantas são as pensões eles frequentam. Algumas porque vivem nas trevas do amor verdadeiro. Outras, porque não querem ver, que é a pior das cegueiras. Ou seja. Aquela mulher com quem se cruzara horas antes e deixara no ar tantas certezas que o forçaram a quatro entediantes horas de espera vigilante na esperança de uma abordagem carregada de planos, mais não era que uma muralha intransponível. O andar desafiante e as formas perfeitas de fêmea eram afinal a máscara de um glaciar que por cansaço ou incapacidade renunciou sem luta a tentar derreter.

- Ao caçador nem todos os dias a presa se coloca em posição ideal de tiro. E mesmo aqueles tiros que parecem fáceis muitas vezes perdem-se na savana. – Justificava-se ele sem muita convicção perante o silêncio cumplice de um grupo de amigos.
- O traidor chifrudo do marido é que foi responsável por esta tarde perdida. Eles fazem porcaria e um homem é que paga!

1.7.10

Carta do Inferno!



Sinto uma necessidade premente de te falar. Temos assuntos pendentes que não se tratam no tempo de um café que é aquilo que guardas ocasionalmente para mim. Pensei em talvez escrever-te uma carta. Não. Escrever uma carta dá um trabalho danado e depois fica registado para todo o sempre o que é uma chatice. Falar seria arrumar a questão de vez pois estaria por certo a olhar-te nos olhos, a medir-te a intensidade da voz. E os olhos, dizem, não mentem. Mas sei lá se sim ou não. Comigo nada nunca é branco ou preto e estas coisas do que se diz nunca é totalmente verdade nem completamente mentira. Tal como tu. Nunca saberei se aquele fogo que te começava nas palavras prévias e terminava afogado no rio de transpiração que nos encharcava os lençóis, eram reais ou apenas uma encenação pensada. Se os gritos e as palavras hereges que a custo te abafava na boca por causa dos vizinhos mais curiosos, eram resultado da minha capacidade de te pôr fora de toda e qualquer lucidez ou um ritual apenas teu de expulsar alguns dos muitos demónios de estimação que criás-te ao longo da vida. Não. Não sei. Apenas sei que eles não fugiram para longe. Eles nunca vão para muito longe. Simplesmente sem mudarem de ama, acobertaram-se em mim continuando a servir-te. Vampiros, malévolos e cobardes. Sei agora que com a única intenção de não me deixar esquecer. O que é profundamente injusto. Se partiste sem despedidas ou justificações porque não levas-te tudo? Se construis-te um novo refúgio nas antípodas do sitio que inventámos como ilha deserta, só nossa porque insana, porque não levas-te contigo toda a mobilia e pertences? Os teus servos ocupam-me espaço que preciso desesperadamente libertar. Quiçá para cumprir outros erros ainda maiores e mais marcantes, mas inevitáveis e urgentes. Porque eles me inibem e desmoralizam quando sussuram o teu nome e libertam o teu cheiro nos momentos mais impróprios. Sempre por analogia, os perversos. Insistentes. Persistentes e incómodos, Vá, vem. Vem buscar aquilo que te pertence. Bastam umas breves horas. Não precisaremos de exorcista nem curandeiro. O ritual sabemos qual é. Afinal tudo na vida tem um fim e tudo acabará precisamente como e onde começou. Cumprido o ciclo, renascerei.


29.6.10

FMI com lágrimas

Foi no Teatro Aberto em Lisboa, passaram já muitos anos, que tive o previlégio de assistir o JMB declamar/cantar esta obra prima. Num ambiente de muita ingenuidade politica fruto da época em que se vivia, mais do que as palavras e a mensagem, recordam-me as lágrimas nas faces de muitos dos presentes. As mãos apertadas. O prazer de estar ali. Foi um daqueles momentos de vida inesqueciveis pela emoção colectiva e pela completa sintonia entre o palco e a plateia só possível de conseguir por alguns grandes compositores autores.

Para minha surpresa hoje encontrei na Net a gravação daquele espectaculo. Faltaram as lágrimas. Os anos as levaram com a perda da inocencia. Sobrou a emoção de sentir que o sentido das palavras continua válido e que os verdadeiros talentos e as grandes obras são intemporais na memória.






26.3.10

Fotogramas II - A viagem


programou aquela viagem até ao mais ínfimo pormenor. pretendia que ela marcasse uma viragem na sua vida. nos ultimos tempos escrevera numa cábula todos os itens necessários para que nada pudesse falhar. na véspera telefonou a um amigo e aos filhos para se despedir e passou a tarde a abastecer-se de comidas leves e bebidas sem álcool, dois almanaques de auto-ajuda de um guru famoso, as obras completas de steinbeck, um interminável número de cds de música clássica, vários pijamas de seda, pantufas e cigarros. muitos. quando passavam poucos minutos da meia meia-noite, desligou os cabos da tv na escada do prédio, fechou a ferrolho portas e janelas, correu todas as cortinas, desligou os telefones e o computador. consultou a cábula a certificar-se que nada faltava para aquela viagem ao inicio de tudo pelo interior dele mesmo. e partiu. não se sabe quando voltará. se no dia em que se lhe acabarem os cigarros ou quando finalmente descobrir que o labirinto que foi construindo desde o inicio é um caminho tão carregado de contradições que apenas lhe restará recomeçar no ponto onde chegou.

22.3.10

Fotogramas I - Ciumes


Ela garantiu-lhe que o seu conceito de vida a dois seria ter alguém com quem partilhar os dias e as noites sem o fantasma da infidelidade a roer-lhe as entranhas. Só aceitaria voltar a relacionar-se com alguém que fosse tão completamente dedicado a ela quanto ela seria a essa pessoa. E que esta condição não era negociável sob nenhum pretexto pois tratava-se de um princípio inabalável que solidificara ao longo dos anos, muito por causa dos vários insucessos amorosos que foi acumulando. Fracassos esses com um denominador comum. Os motivos sempre foram, alegadas traições comprovadas daqueles com quem tinha tentado partilhar a vida. Em alguns casos não tão provadas assim, mas a chama inapagável do ciúme que lhe roía as entranhas nos momentos em que os confrontara levara-a a tomar atitudes e a praticar actos desesperados e irreparáveis. Perdeu-se em divagações justificativas acerca da forma adulta como terminara com cada um e de quanto difícil era encontrar esse alguém tão especial. Reiterou a vontade de não desistir desse objectivo desde que cumprida a condição da posse absoluta.

A ele coube-lhe contrapor um historial das várias mulheres que conhecera ao longo da vida e com quem tinha tentado construir afinidades. Cada uma um erro maior que o anterior, pois todas elas o magoaram e com nenhuma mantinha actualmente a menor amizade. Uns casos, por absoluta futilidade da parceira dado apenas revelarem interesse na sua condição social privilegiada, outras ainda porque não se esforçarem o suficiente para entender a sua peculiar forma de vida e sem razão plausível ou justificada o fizeram engolir a suspeita do travo amargo da traição. Divagou longamente sobre aquilo que considerava serem as obrigações das partes numa relação e dos princípios que lhe eram intrínsecos. De leve abordou a forma desabrida como reagia em momentos de dúvida acerca da fidelidade ou do amor de quem com ele se relacionava e dos efeitos devastadores dessas furias no futuro da relação. Reiterou a firme intenção de continuar a busca por alguém a quem se dedicaria totalmente desde que essa dádiva fosse recíproca e onde a possibilidade de traição nem sequer fosse colocada.

No final pediram a mesma sobremesa, partilharam o gosto forte do café e dividiram a conta, frutos da afinidade de pontos de vista construída ao longo do jantar. Acabaram a noite na procura frenética do amor entre as quatro paredes de um quarto de hotel. Almas gémeas que se encontraram e terminaram a noite lutando contra a sua própria insanidade numa batalha que pela experiência sabiam perdida. Terminaram a noite tentando erguer uma barreira contra o desperdiçar da vida, obviamente sem o conseguirem. A incapacidade para aceitar os outros e a vida como ela é lhes muito roubara já o discernimento.