14.8.08

A traição do medo!


“A autoridade não se garante a disparar. Se assim fosse os regimes impostos pelas armas seriam os melhores”
A sensação de alívio criada pela forma como se salvaram os reféns do assalto à dependência bancária em Lisboa, com a morte de um dos sequestradores e ferimentos imobilizadores no outro, leva a um puro engano. De facto, não se ganhou em segurança, nem se impôs a lei, nem se tratava de fazer justiça. Agiu-se apenas com a eficácia conseguida e dentro da legalidade, numa situação de medo e perigo para vidas inocentes.
O que aconteceu à porta da agência bancária foi um dano colateral. Salvaram-se os reféns e sobreviveu um sequestrador para responder pelo crime. E o epílogo é mais motivo de inquietação do que de tranquilidade. Uns tiros certeiros não acrescentam nada à segurança das pessoas e bens. A autoridade não se garante a disparar. Se assim fosse, os regimes impostos pela força das armas seriam os melhores. E ninguém com sentido de humanidade o admite e a História mostra que a fogueira, a guilhotina ou o pelotão de fuzilamento só prejudicam o avanço das sociedades na conquista de melhores condições de vida.
Sabe-se que hoje o medo domina. Já ninguém vive tranquilo com a porta de casa sempre aberta, como acontecia há 50 anos em muitas aldeias e vilas, como eu próprio vi na Beira Baixa. O medo generalizou-se. E a culpa, convém afirmá-lo, não é das notícias dos jornais, como alguns gostam de acusar. É da própria realidade. Há mais violência, ninguém sente grande segurança na autoridade nem confia inteiramente na Justiça. Os polícias surgem demasiadas vezes no lado do crime e a corrupção descredibilizou os juízes.

Um artigo do ‘The Sunday Times’ do primeiro domingo deste mês discutia o melhor caminho para a Justiça. Contava o caso de um britânico que ao chegar à casa de férias, em França, encarou com vandalização e roubo. Mostrou-se chocado junto do ‘maire’ da comuna – equivalente ao nosso presidente de junta – e ficou admirado por no dia seguinte lhe aparecer um jovem a substituir os vidros partidos e a fazer outras reparações. O jornalista, que também refere um libelo do rabi Sir Jonathan Sacks contra a sociedade moderna, a apontar a ausência da religião como razão de grandes problemas sociais da actualidade, conclui que a reacção da autoridade local francesa só foi possível pela descentralização do poder político existente naquele país e considera-a como o melhor caminho para uma melhor Justiça.
A reflexão é pertinente e mais profícua que a exaltação do alívio sentido com os tiros nos sequestradores do assalto à agência bancária. É fundamental não nos deixarmos trair pelo medo. Porque o medo só gera mais medo. Nunca deu segurança, justiça e paz.
João Vaz, Jornalista

Porque?


Não sei em definitivo. A essa pergunta responderei quando encontrar uma resposta que primeiro me convença. Porque nada do que te possa afirmar como justificação me seria lógico neste momento. Assumi a decisão de fechar a loja para reestruturação e balanço e tentarei levá-la ás ultimas consequências. Foste apenas apanhada no turbilhão pois decidi circunscrever os meus dias às básicas tarefas de sobrevivência, defendendo-me da apetência genética para chafurdar na merda que bem conheces.

Não, não penses que esqueci ou renego o tempo em que para tocar os limites era apenas necessário gerar as doses qb de adrenalina e deixar-me ir. Apenas e só enquanto me resta alguma sanidade abastenho-me de saciar a sede com fogo. Chama-lhe PDI, alzaimer ou esclerose, mas á muito vinha descobrindo que esta forma de vida se esgota por completo na transpiração de breves momentos que por comodismo de análise chamamos de unicos quando na verdade são unicos apenas naquela hora pois no dia e na vitima seguinte repetem-se e teimosamente continuamos a chamar-lhes o mesmo apesar de até o cheiro ser igual. Questiono-te. Valerá a pena esta pseudo orgia de sentidos quando constatamos que no final pouco ou nada perdura senão arquivo dificil de esconder e nodoas na alma impossíveis de apagar?

Espero que o tempo me ajude a entender. Porque descobri que preciso deitar no lixo da memória os mortos que transformei sem me aperceber em fantasmas, apenas e só para continuar a tê-los por perto e em contraponto ressuscitar muitos dos que deixei morrer por inação e cobarde esquecimento. Necessito expulsar de mim a opressora conciência que teimosamente me obriga a cumprir penitentes noites em branco quando me deposita no travesseiro os lamentos dos muitos esqueletos que deixei pelo caminho.

Tento perceber como e por onde se chega aqui. Será que è porque Interiorizamos como verdade absoluta que só vale a pena viver se fôr desta forma e que se não ousarmos experimentar, nos tornamos apenas comentadores daquilo que nunca sentimos. Com a mesma imaginação com que auto-desculpabilizamos, viciamo-nos em adrenalina na presunção que podemos ser os autores e os actores principais da peça que é a vida. Teimosamente mantemo-nos na boca do palco esquecendo que o público que nos ama de verdade á muito abandonou a sala cansado de esperar por um rasgo de lucidêz ou uma mudança de sentido do texto. Não querendo entender que quem ainda bate palmas é porque não tem outro sitio onde sentar e que na primeira deixa fora de tempo não terá nenhum remorso em nos vaiar.

Prometo reabrir a loja. Com outras cores, espero.