Depois de mais um dia sem avanços naquilo que è verdadeiramente importante, com a cabeça completamente oca de pensar estratégias inuteis, tento adormecer com os costados colados à madeira do fundo gasto do velho sofá. A coletanea de poemas do genial panasca do Pessoa prolonga-me a insónia atravéz do mais intrigante e mórbido dos seus fantasmas:
Estou cansado, é claro,
Porque, a certa altura, a gente tem que estar cansado.
De que estou cansado, não sei:
De nada me serviria sabê-lo,
Pois o cansaço fica na mesma.
A ferida dói como dói
E não em função da causa que a produziu.
Sim, estou cansado,
E um pouco sorridente
De o cansaço ser só isto —
Uma vontade de sono no corpo,
Um desejo de não pensar na alma,
E por cima de tudo uma transparência lúcida
Do entendimento retrospectivo...
E a luxúria única de não ter já esperanças?
Sou inteligente; eis tudo.
Tenho visto muito e entendido muito o que tenho visto,
E há um certo prazer até no cansaço que isto nos dá,
Que afinal a cabeça sempre serve para qualquer coisa. Quero acabar entre rosas, porque as amei na infância.
Os crisântemos de depois, desfolhei-os a frio.
Falem pouco, devagar.
Que eu não oiça, sobretudo com o pensamento.
O que quis?
Tenho as mãos vazias,
Crispadas flebilmente sobre a colcha longínqua.
O que pensei? Tenho a boca seca, abstrata.
O que vivi? Era tão bom dormir!
Alvaro de Campos
Isso mesmo. Vou tentar dormir e não pensar muito nas palavras deste desenraizado. Amanhã fecho-o a ele aos irmãos e ao desnaturado do pai dentro da capa grossa do livro e não vou deixa-los sair de lá nem para respirarem. Prometo-me. Tenho tanto em que pensar e estes gajos a foderem-me a cabeça.