Quero acreditar que terias gostado de me ver hoje, mas não tenho a certeza. Contrariamente ao habitual, ontem dormi cedo e acordei bem disposta. Prescindi das conversas vazias e banais do chat e entreguei-me á solidão do quarto envolvida na leitura dum romance à muito iniciado. O sono chegou com a urgência que necessitava e o corpo massacrado pedia. Hoje pela manhã, quando o despertador me acordou, estranhamente não senti a tua falta ao meu lado e ainda menos quando saí do banho e não tive de inventar mimos para te despertar como aconteceu todas as manhãs durante os ultimos 6 anos. Num assomo nostálgico ainda olhei a cama vazia e estranhamente arrumada mas preferi desviar o olhar para o espelho observando-me completamente núa. Na verdade, fisicamente não pareço ter os 35 anos que o BI indicam. Estou magra, o meu peito espreita altivo, tenho o corpo bem proporcionado e felizmente as olheiras no rosto estão bem menos marcadas que antes, depois de algumas horas de sono profundo. Como te deves recordar nunca tive uma boa relação com o corpo. Desde menina me achava o patinho feio, facto que se agravou quando te conheci e os receios de não estar à altura das tuas expectativas se acentuaram. Receios que foram sendo agravados pelo medo de te perder, dadas as alterações anatómicas que o espelho me revelava ao longo do tempo. Incrivelmente, esta manhã não descobri nenhuma parte do meu corpo fora do lugar, muito antes pelo contrário. Como se tivesse sido parida no momento em que fechaste com estrondo a porta de casa gritando-me as tuas certezas que me arrependeria de te ter acusado de me traires. Podes ter a certeza que não me arrependo senão de te ter dispensado 6 valiosos anos da minha vida e sinto-me absolutamente perfeita. Com as formas exatas da mulher femea preparada para resistir e conquistar tudo. Núa, dancei frente ao espelho excitando-me a criatividade com a minha imagem. Solta e livre afaguei-me com as mãos e a mente e em poucos segundos estremeci intensamente. Abri de par em par as portas do guarda roupa e esqueci os piropos do escritório e para ir trabalhar escolhi uma saia bem curta e uma blusa decotada e cavada. Optei pelos sapatos baixos, porques condizem exatamente com o meu estado de espirito. Leve, fresca e despreocupada. Capaz de desejar e conquistar. Em avançado estado de libertação das amarras onde me deixaste já lá vão mais de 60 dias e noites. Claro que mentiria se afirmasse em absoluto que já não te sinto a falta. Porque ainda te descubro nos sitios mais improváveis como no acto simples de tirar o carro da apertada garagem ou no insinuante bom dia oportunista lançado pelo porteiro com ares de conquistador. Porque quando me distraio ainda sinto o teu odor matinal a água de colónia cara. Porque ainda tremo quando recordo muitas das nossas loucuras quase infantis dos primeiros meses e as recordações das poucas noites de sexo que valeram realmente a pena. No entanto percorro a via sacra de cabeça bem alta. Desfazendo-me a cada dia de mais uma das heranças que me deixaste na alma. Redescubrindo-me em cada oásis que invento pelo caminho. Separando-me de ti aos poucos e substituindo-te por mim mesma. Evitando culpabilizar-te com vinganças estéreis e dramáticas, mas sempre consciente da enorme filha putice que me fizeste passar sem outro motivo que não seja a tua ignóbil incoerência e uma voraz vontade de acrescentar mais vitimas ao teu conspurcado cv. E, com a mesma corência que te confrontei à 60 noites atrás com as evidências irrefutáveis das tuas traições, te mandei a mala porta fora e mudei as fechaduras, te repito. Gostaria que me visses hoje! Só não tenho a certeza se irias gostar da mudança!