20.8.08

Caminho para lá!!


A partir de uma frase escrita pela Naela . Que de solitária e louca tem q.b.. Um beijo menina!


"Assim me vou tornando louco e solitário no justo equilibrio entre os dois. E encontro tanto liberdade como segurança na minha loucura. A liberdade que me dá a solidão assumida como opção e a segurança de não ser forçado a fazer aquilo que todos acham o mais normal ou a dar complexas justificações."
Não, não me interessam as vossas opiniões!

16.8.08





"Mas sei que uma dor assim pungente não há-de ser inutilmente..."

14.8.08

A traição do medo!


“A autoridade não se garante a disparar. Se assim fosse os regimes impostos pelas armas seriam os melhores”
A sensação de alívio criada pela forma como se salvaram os reféns do assalto à dependência bancária em Lisboa, com a morte de um dos sequestradores e ferimentos imobilizadores no outro, leva a um puro engano. De facto, não se ganhou em segurança, nem se impôs a lei, nem se tratava de fazer justiça. Agiu-se apenas com a eficácia conseguida e dentro da legalidade, numa situação de medo e perigo para vidas inocentes.
O que aconteceu à porta da agência bancária foi um dano colateral. Salvaram-se os reféns e sobreviveu um sequestrador para responder pelo crime. E o epílogo é mais motivo de inquietação do que de tranquilidade. Uns tiros certeiros não acrescentam nada à segurança das pessoas e bens. A autoridade não se garante a disparar. Se assim fosse, os regimes impostos pela força das armas seriam os melhores. E ninguém com sentido de humanidade o admite e a História mostra que a fogueira, a guilhotina ou o pelotão de fuzilamento só prejudicam o avanço das sociedades na conquista de melhores condições de vida.
Sabe-se que hoje o medo domina. Já ninguém vive tranquilo com a porta de casa sempre aberta, como acontecia há 50 anos em muitas aldeias e vilas, como eu próprio vi na Beira Baixa. O medo generalizou-se. E a culpa, convém afirmá-lo, não é das notícias dos jornais, como alguns gostam de acusar. É da própria realidade. Há mais violência, ninguém sente grande segurança na autoridade nem confia inteiramente na Justiça. Os polícias surgem demasiadas vezes no lado do crime e a corrupção descredibilizou os juízes.

Um artigo do ‘The Sunday Times’ do primeiro domingo deste mês discutia o melhor caminho para a Justiça. Contava o caso de um britânico que ao chegar à casa de férias, em França, encarou com vandalização e roubo. Mostrou-se chocado junto do ‘maire’ da comuna – equivalente ao nosso presidente de junta – e ficou admirado por no dia seguinte lhe aparecer um jovem a substituir os vidros partidos e a fazer outras reparações. O jornalista, que também refere um libelo do rabi Sir Jonathan Sacks contra a sociedade moderna, a apontar a ausência da religião como razão de grandes problemas sociais da actualidade, conclui que a reacção da autoridade local francesa só foi possível pela descentralização do poder político existente naquele país e considera-a como o melhor caminho para uma melhor Justiça.
A reflexão é pertinente e mais profícua que a exaltação do alívio sentido com os tiros nos sequestradores do assalto à agência bancária. É fundamental não nos deixarmos trair pelo medo. Porque o medo só gera mais medo. Nunca deu segurança, justiça e paz.
João Vaz, Jornalista

Porque?


Não sei em definitivo. A essa pergunta responderei quando encontrar uma resposta que primeiro me convença. Porque nada do que te possa afirmar como justificação me seria lógico neste momento. Assumi a decisão de fechar a loja para reestruturação e balanço e tentarei levá-la ás ultimas consequências. Foste apenas apanhada no turbilhão pois decidi circunscrever os meus dias às básicas tarefas de sobrevivência, defendendo-me da apetência genética para chafurdar na merda que bem conheces.

Não, não penses que esqueci ou renego o tempo em que para tocar os limites era apenas necessário gerar as doses qb de adrenalina e deixar-me ir. Apenas e só enquanto me resta alguma sanidade abastenho-me de saciar a sede com fogo. Chama-lhe PDI, alzaimer ou esclerose, mas á muito vinha descobrindo que esta forma de vida se esgota por completo na transpiração de breves momentos que por comodismo de análise chamamos de unicos quando na verdade são unicos apenas naquela hora pois no dia e na vitima seguinte repetem-se e teimosamente continuamos a chamar-lhes o mesmo apesar de até o cheiro ser igual. Questiono-te. Valerá a pena esta pseudo orgia de sentidos quando constatamos que no final pouco ou nada perdura senão arquivo dificil de esconder e nodoas na alma impossíveis de apagar?

Espero que o tempo me ajude a entender. Porque descobri que preciso deitar no lixo da memória os mortos que transformei sem me aperceber em fantasmas, apenas e só para continuar a tê-los por perto e em contraponto ressuscitar muitos dos que deixei morrer por inação e cobarde esquecimento. Necessito expulsar de mim a opressora conciência que teimosamente me obriga a cumprir penitentes noites em branco quando me deposita no travesseiro os lamentos dos muitos esqueletos que deixei pelo caminho.

Tento perceber como e por onde se chega aqui. Será que è porque Interiorizamos como verdade absoluta que só vale a pena viver se fôr desta forma e que se não ousarmos experimentar, nos tornamos apenas comentadores daquilo que nunca sentimos. Com a mesma imaginação com que auto-desculpabilizamos, viciamo-nos em adrenalina na presunção que podemos ser os autores e os actores principais da peça que é a vida. Teimosamente mantemo-nos na boca do palco esquecendo que o público que nos ama de verdade á muito abandonou a sala cansado de esperar por um rasgo de lucidêz ou uma mudança de sentido do texto. Não querendo entender que quem ainda bate palmas é porque não tem outro sitio onde sentar e que na primeira deixa fora de tempo não terá nenhum remorso em nos vaiar.

Prometo reabrir a loja. Com outras cores, espero.


8.8.08

Cesaltina Julgada!


(Este foi o primero post deste blogue precisamente em 8 de Fevereiro de 2005. Decorei com novas ideias e palavras algumas frases e sinto prazer em republicar! Não é para isso mesmo que abrimos um blogue?)


Sábado morno com tarde a chegar ao fim. Cesaltina rodava pela cidade queimando horas. Calcorreara a marginal, subira a Julios Nyerere e percorrera toda a 24 de Julho desde o piri-piri ao Alto Maé. Mas não sentia as dores nem as horas. Apenas cada olhar ou cada gesto na sua direcção lhe faziam recordar um sentimento de culpa que teimava não a abandonar asfixiando-lhe a coragem. Tentava apagar da memória os olhos tristes dos três filhos silenciosos que pela manhã a viram sair sem sequer uma palavra lhes deixar. Mentalmente tentava construir a justificação a apresentar-lhes pelas longas horas de ausência ao mesmo tempo que tentava sem o conseguir, parar o mêdo que se lhe colara na alma. Um medo carregado de raízes interiores, profundas e seculares, herdadas dos antepassados e que obriga cada mulher a ser dote do marido pela força do lobolo. Esse medo manipulador que a tinha manietado durante os anos de casamento e que á custa de uma coragem que não sabia possuir tinha logrado empurrar até á porta, mas que se recusava a sair de dentro dela.
Ao entrar na esburacada rua da Malanga já perto de casa, olhou a montra decorada com o amarelo da Laurentina mal combinado com o vermelho berrante das cores da Coca-Cola. As vozes alteradas pelo calôr das discussões inúteis á volta de intrigas, banhadas, futebol e politica, faziam adivinhar que estaria bem frequentada nessa tarde, o feudo machista que era a unica tasca do bairro.
Decidiu transpor a porta de entrada pela primeira vez na vida. Todas as vózes emudeceram no momento como se ali tivesse entrado um fantasma. Sentiu-se nitidamente o atordoador silêncio intimadatório e acusatório. Teve a completa consciência de que aquele momento representava o primeiro frente a frente com o tribunal popular do bairro e dali apenas poderia sair condenada perpétuamente ou com as grilhetas bem mais alividadas.
Na noite anterior, a partir da esplanada daquela espelunca, todos os presentes tinham testemunhado e comentado o abandono do lar com parca trouxa, de Lucas seu marido de mais de uma década, vergado a um nunca visto silêncio e a uma humilhante retirada estratégica. Juravam alguns que na mascara de raiva patente do rosto lhe escorriam lágrimas, mas ninguem se aproximara para conferir.
Anos longos de humilhações, privações e muita miséria mal escondida, provocados por um marido déspota, militante do partido da vanguarda e da libertação desde os anos da guerra contra os bandidos armados, autoritário pela razão plena da oficial verdade única que a reduzia a ela e a todos aqueles que ousassem discordar dele a potenciais alvos a reeducar numa qualquer mata do distante Niassa.
Eterno secretário do bairro, mais agarrado ao lugar que mexilhão nas rochas, justiceiro e carrasco de todas as causas comunitárias, impecável dentro das balalaicas alvas á custa de muita barrela braçal e apoiado nos sapatos á muito a justificarem contentor do lixo mas impecávelmente brilhantes, arregimentara á sua volta um coro de falsa respeitabilidade monocórdica e cega apenas alimentada pelo medo dominante. Temido pela vizinhança dele dependente, ninguem ousava colocar em causa uma sua opinião muito menos uma decisão.
Cesaltina não era certamente a única pessoa que pensava diferente mas era a única que tinha momentos de coragem para o confrontar. E tambem por isso sentira na carne centenas de vezes a crueldade mal escondida ao mundo daquele com quem casara. Vergara-se por momentos á custa de muita porrada e em nome dos filhos. Mas vergara-se e calara-se, sem nunca se dobrar.
Sabia que naquele momento ao transpor a porta daquela cervejaria seria inquisitóriamente julgada por todos não pelos muitos anos de maus tratos e violencia a que fora sugeita e que todos testemunharam, mas pela noite anterior em que deitara na sua cama um outro homem prepositadamente escolhido tal como a hora e o local para o flagrante. Foi a unica solução que imaginou para sair daquele sofrimento pelo menos viva.
Sentiu cravadas nas costas facas afiadas e na cabeça pedradas anónimas. Como poderiam eles entender o que levou a mulher do todo poderoso camarada secretário Lucas a deitar na cansada cama familiar, um amante. E ainda por cima um camarada director, muito mais importante na hierarquia central que o camarada secretário chifrado que não passava de um peão no xadrês partidário. Um quadro superior a que o algóz justiceiro devia respeito e sobretudo medo. A escolha foi claramente dela cedendo aos avanços á muito iniciados de tão importante figura e teve extamente o efeito que previra e desejava. O camarada peão secretário foi assim obrigado pela primeira vêz na vida a aceitar uma derrota partidária, rendido á mesma disciplina cega com que se submetera toda a sua vida de militante, em nome da qual subjugava todos aqueles que dele dependiam para qualquer e todos os assuntos sociais do bairro. Depois de conferir o quadro superior competentemente dentro da sua propriedade, com as calças devidamente dobradas na velha cadeira do quarto e sem sequer descalçar umas peugas rotas nos calcanhares mas lambuzando-se na carne que ele toda a vida maltratara, agarrara a trouxa e saira de casa em silêncio. Sabia ela e todos os que o conheciam que tarde ou nunca voltaria por aquelas paragens.
De pé junto ao balcão, Cesaltina pediu um refresco com muito gelo. A desconcertada moça atrás do balcão sujo empurrou-lhe um copo florido para a frente e com perícia abriu e depositou-lhe a garrafa ao alcance da mão. Arrefecia por dentro com gelo o fogo que todos aqueles olhos lhe ateavam na alma. Dava as costas para a sala mas sentia o ensurdecedor silêncio dos olhares cravados nela. Lentamente, abriu a bolsa e retirou um inusitado maço de Palmar e fósforos e acendeu um cigarro.
- Puta!!, - ecoou em fundo repetindo-se nas paredes encardidas, quebrando o silêncio......
- Puta e cabra!!, - voltou-se a ouvir.
O sangue rápidamente lhe invadiu as faces de ébano. Deixou que a acusação se extinguisse nos seus ouvidos e penetrasse na alma. Bebeu um trago da gelada coca-cola e aspirou lentamente o fumo do cigarro. Rodou nos tacões gastos enquanto expirava a azulada nuvem de fumo para bem alto. Levantou a cabeça e sorriu de forma desafiadora deixando os alvos dentes enquadrados pelos sensuais lábios grossos bem á vista. Olhou os presentes nos olhos sem se deter em nenhum durante alguns segundos. Tinha a consciência, que para aquela turba de impotentes alcoolatras nunca valera mais que a submissa mulher do déspota secretário, mas era pelo menos respeitada. Á custa deste desafio, era a partir daquele instante mais um amontoado de carne disponivel para usar. Nenhum daqueles pseudo-machos meio ébrios teria em mais algum momento a capacidade para a classificar como uma mulher honrada. Menos ainda como sêr humano respeitável.
Naquelas mentes ôcas apenas era mulher puta de um respeitável homem do partido, traído por um seu camarada superior e na sua própria cama. Logo, tambem ele cabrão desclassificado mas sem culpa própria. Faziam das dores do secretário Lucas as suas, fechando à memória os gritos suplicados bem alto por ela e pelos filhos vezes sem conta ao longo daqueles anos, debaixo de sôcos e injurias inclassificáveis e completamente imerecidas.
E porque o traído marido era pessoa de bem, ela era de nada. Ou melhor, era classificada de puta e de cabra!!.
Uma escafiada nota de dez mil meticais deixada ao abandono em cima do balcão foi o justo preço que pagou pelo prazer da pedra de gelo que lentamente se derretia na sua boca e pela interior certeza de naquele momento se sentia compensada e livre, assumindo-se como mulher, como mãe e sobretudo como ser humano. Se na tarde noite anterior, perdera a dignidade como femea, ganhara ali a primeira batalha da sua afirmação como ser humano. Começava ali a exorcisar o medo que a acompanhara durante toda a vida e principalmente ao longo daquele dia. Transpunha assim uma primeira etapa naquele precurso sem retorno a que se tinha proposto quando aceitou sem prazer, outro corpo de homem na sua carne.
Com passos seguros e ostensivamente de cabeça levantada dirigiu-se lentamente á porta de saída perante o silencio enraivecido e atónito daquela assembleia de algozes. Todos os olhos a acompanharam com as vózes silenciadas. Com pose altiva e desafiante, fixou novamente os olhos, agora por cada um dos presentes. Ninguem ousou sequer pestanejar. Muitos baixaram as cabeças para não a olharem de frente. Sentia-se naquela mulher uma determinação sem limites, intimidatória pela demonstração de coragem, uma bravura que intimidava. Naquele preciso instante muitos daqueles homens prefeririam não estar sequer ali. Não ousaram esboçar mais um gesto ou palavra desabonatório até ela transpor o degrau de saída.
Já na rua respirou bem fundo arqueando o corpo antes altivo como se um enorme fardo tivesse saltado da sua cabeça. Tinha vencido por KO a segunda batalha. Levava na alma as nódoas negras da luta. Mas levava tambem a certeza de que elas se esfumariam no tempo. Esperavam-na em casa os filhos... e a terceira de muitas outras ... afinal o que tinha sido a sua vida até aquele dia, senão isso mesmo...