26.10.09

Pontes


Trocaram de olhares de forma fugaz mas intensa e esclarecedora. Breves segundos. Na confusão da avenida, a compacta fila de carros não permitiu mais e um foi forçado a avançar. Subiu a temperatura e ficou a vontade de repetir a ousadia. Afinal os olhos não mentem e aquela troca podia significar que aquele fim de tarde chuvoso e cinzento se podia tornar ainda diferente. Um deles atrasou o mais que pode a marcha e o outro pressionou o carro da frente até que ficaram de novo lado a lado. E no meio da poluente confusão urbana de buzinadelas e latas com motores fumarentos, os olhos construíram uma ponte. E por essa ponte fizeram passar a certeza de que aquilo que os separava era nada.

Não sei dizer se foi o carro dela ou o dele que ficou estacionado uns metros mais á frente até à manhã seguinte. O que constatei é que as pontes tambem se podem construir nas tardes de chuva mesmo que durem apenas o momento em que partilhamos vontades sem amarras.

15.10.09

Armaduras



Deste que te conheci que tenho vontade de te dizer algo que refuto de muito importante. Mas como não és uma pessoa fácil vou simplificando a vida na certeza de que o tempo corre contra mim e a cada dia se dilui mais a importância das coisas importantes.

7.10.09

Sexta-feira à noite



Sexta-feira à noite
os homens acariciam o clitóris das esposas
com dedos molhados de saliva.
O mesmo gesto com que todos os dias
contam dinheiro papéis documentos
e folheiam nas revistas
a vida dos seus ídolos.

Sexta-feira à noite
os homens penetram suas esposas
com tédio e pênis.
O mesmo tédio com que todos os dias
enfiam o carro na garagem
o dedo no nariz
e metem a mão no bolso
para coçar o saco.

Sexta-feira à noite
os homens ressonam de borco
enquanto as mulheres no escuro
encaram seu destino
e sonham com o príncipe encantado.



Marina Colasanti