11.4.07

Noites de Maputo I


O alcool corria pelas gargantas quase com a mesma intensidade do som que saía das colunas. Muita. Corpos frenéticos agitavam-se na pista de dança, eles e elas fazendo daquele ritual um evidente acto pré-acasalamento. Outros eles e elas, voando em lugares bem longe dali, palpebras semi-cerradas, escoando mentalmente os efeitos de algum analgésico adquirido de certeza por engano, ao dealer de serviço. Outras e outros preferiam o pouco comodo balcão onde recostavam o corpo em evidente posição de espionagem não fosse passar-se algo na sala que escapasse ao seu olhar prespicaz e lingua viperina.
A noite ameaçava transformar-se em madrugada e aos poucos a fauna ia rumando a outras paragens, apesar de a casa estar ainda meio cheia ou meio vazia conforme os gostos analiticos. Prometia animação extra a hora das vassouras entrarem em acção.

Uma breve nota para explicar aos menos familiarizados nestas coisas, que a hora das vassouras nas discotecas de Maputo é aquele momento final em que os barmans já arrumaram as garrafas e recusam servir o copo pró caminho, os porteiros dormem na cadeira, o DJ recoloca pela vigessima vez o mesmo CD, mas mesmo assim voyers, caçadores, caçadoras e fauna bravia, não arredam pé da pista na esperança genuína de a noite não acabar com um regresso a casa a seco. E um ritual de puro engate, que nada a ficar a perder para as cenas habituais nos cabares da Rua Araujo, carregado de emoções fortes principalmente para quem observa de fora. Que normalmente é quem acaba por carregar com o lixo que ninguem mais quer.

Mas esta cronica de maus costumes tem uma personagem como todas as cronicas. Centremos pois as atencoes no nosso heroi anonimo.
Sob o efeito pouco menos que explosivo de meia duzia de Red Bulls misturados com duplos de JB importado de Beirute, posicionou-se num dos locais de visibilidade mais ampla, uns metros bem acima da sala principal. Durante alguns minutos foi obrigado a um exercicio de habituação visual aos flashes, luzes psicadélicas e raios laser, tambem muito por obra e graça da elevada taxa de alcool que lhe corria e corruía o sangue.

Com a visão o menos turva que era possivel dadas as atenuantes, iniciou o exercicio habitual de localizar uma possivel vitima para partilhar as alegrias esfuziantes do final da noite e se possivel as agruras da babaláza no final da manhã. Para isso usava um truque absolutamente inovador de acordo com a sua precepção própria de modernidade. Começava por analisar toda a planicie e áreas limitrofes. Pista de dança, palco, perimetro do balção e cantos menos escuros. Onde visualmente existisse mais carne á vista por m2, seria a sua área restrita de caça. Uma especie de reserva exclusiva ou de forma mais crua, o dumbanengue.

Os factores combinados, pouca roupa muita carne, indiciava a partida um menor risco de insussesso nesta complicada tarefa de caçar em terrenos tão férteis quanto cheios de inusitadas surpresas.
Com as coordenadas da área de envolvimento bem defenidas, faria a aproximação em circulos cada vez mais fechados até ficar de frente com a vitima que teria obrigatoriamente de cumprir todos os requesitos pré-programados. Ou, talvez nem todos. Alguns seriam suficientes. Ou, diremos nós que ninguem nos lê muito menos ele, desde que fosse aproximadamente fêmea, esperancada nuns carinhos mesmo que apressados e um pequeno almoco trivial, atendendo as circunstancias e o andiantado da hora, sairia dali com o destino imediato já traçado. A sua flat, castelo onde os castigos finais normalmente eram infligidos.

Alguns minutos de cuidada observação aerea do terreno, foi suficiente para focar e sinalizar um pequeno grupo de quatro ou cinco gazelas multicolores cujo denominador comum coincidia exactamente com os parametros exigidos a si mesmo para esta ocasiao. Pouca roupa mas de cores espampanantes, muita carne á vista tanto nos membros inferiores como nos dorsos, tissagens e extencoes para todos os gostos e cores e, sobretudo, uma evidente excitacao de corpos que se marrabentavam entre si na busca de contactos fisicos a pedirem urgência de muito mais transpiração que aquela proporcionada pelo ritmo da musica.
Estava ali o quadro perfeito e preferencial da sua programada investida naquela planicie muito frequentada por diversos tipos e raças de caçadores e presas, mas raramente trabalhada a preceito por experts do seu gabarito.

....continua.... em breve....

Sem titulo


No "umamoratrevido" encontrei esta pérola. Mesmo sabendo que os direitos de autor são reservados não resisti.

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Nunca me deixaram antes, sabes, fui eu sempre que fugi, trancas à porta, adeus que se faz tarde. Nunca me esqueceram primeiro nem nunca amei quem não me amou. Não é presunção, é questão de me fazer todo o sentido: o Amor é um encontro de vontades no espaço sideral, é um nó que flutua, solto, mas que não se desfaz enquanto as duas pontas não se desentrelaçarem em simultâneo. Como poderia amar-te se tu não me amasses de volta? Como poderia amar-te sem conhecer, compreender e aceitar os termos do teu Amor? Se apenas eu te quisesse, o meu querer seria a ponta solta de um cabo eléctrico à deriva numa poça de água, sem rumo, apenas à procura de fazer doer a alguém. Por isso acho estranho, continuar a chorar às escondidas por ti, quando, supostamente e de acordo com todas as regras do bom-senso e da boa vida, tu já nem te lembras que existo. Que sentido faria, encolher-me os joelhos como uma miúda acossada pelos mais velhos e remeter-me, triste, o rosto entre mãos, para o canto do recreio, se tu não recordasses ainda os traços que me compõem o rosto? Seguro de que não te amaria, se não viesses igualmente ao meu encontro, se não corresses algures na minha direcção. Nunca poderia ter continuado a dar-te colo, se me tivesses virado as costas, nunca poderia amar-te as costas, o teu encolher de ombros, esse gingar de ancas desacauteladas. Não entendes? Tens de estar à minha volta, a rondar-me a teimosia, para que eu ainda me lembre de ti. Tens de, por vezes (só por vezes, é o que basta), dormir comigo e de me fingires tua companhia ao almoço, para eu ainda te ter tanto carinho. Tenho de continuar presente na vontade das tuas mãos, na ponta dos teus dedos. Se eu ainda te amo é porque nos encontramos com frequência a meio caminho um do outro, sobre um lago gelado,um campo de trigo, uma estrada deserta. Ou no reflexo de uma chávena de café, no períneo da cidade morta.

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