21.11.05

Adeus e Nada...


Ela enroscou-se nele, encostando o peito nú ao seu e passando um braço sob o seu corpo como costumava fazer. Outro braço e uma mão directa ao sexo adormecido. A mesma pressão, o mesmo gesto, nos mesmos sítios habituais. Seguindo uma rotina que ele conhecia como adivinhava os minutos seguintes sempre repetidos.
Seguiu com a mesma cadência. Sem que ele sentisse a emoção duma surpresa. Os mesmos gestos, o mesmo estafado ritual. Uma palavra diferente que fosse teria feito toda a diferença. Um palavra dita aos ouvidos e as mãos a passar lentamente por caminhos novos no seu corpo. Mas nada.
Ele voltou-se para ela e pôs-lhe a boca num seio e fechou os olhos. O travo mel da pele sabia-lhe a fel. Sentiu pena de si. E dela.
Beijou-a, procurando nos lábios dela o encanto da paixão que vivera poucos anos antes. E que fruto tão belo esse amôr tinha gerado. Em vão. Nos lábios apenas um gosto a aromas perdidos, levados pelo instalar mortificador da rotina. Sabores hoje mórbidos que já foram de vida ontem.
Ela levantou a cabeça como fazia sempre. Seguindo o mesmo percurso com a lingua e a boca. Ombros, mamilos, cintura e finalmente o sexo. Sem uma única variante, uma única alteração na viagem mais maravilhosa que dois seres podem encetar. Ficou por ali mastigando o falo na completa incapacidade de o fazêr sentir mais que isso. Provocando aquela dor com os dentes a que ele nunca se habituara e que desistira de lhe pedir que fizesse diferente.
Depois levantou-se sobre ele. Abriu as pernas completamente e deslizou a pelvis até á sua boca. Maquinalmente introduziu a lingua dentro dela. Sentiu ali a verdadeira dimensão do desencontro de dois seres em completo e aberrante incapacidade para se amarem.
Ele frio e mentalmente impotente. Ela estupidamente molhada. Excitada pela tortura de o forçar a amá-la. Com esforço empurrou-a para trás agarrando-lhe as ancas. Ela com ar triunfante deixou-se levar e agarrando o pénis penetrou-se completamente. Sem um gemido. Sem uma contração no rosto. Com a mesma cadência de sempre. Olhos no tecto. Mâos e braços apoiando o corpo no peito dele. Sem uma palavra.
Sem mais uma carícia que fosse. Sem um olhar, olhos nos olhos sequer. Ele permaneceu distante, de costas. Braços caídos. Mãos paralisadas. Membro erecto e viril na sua obrigação de macho esperando ela explodir. Explosão que mais não foi que um rápido arfar urgente que ele bem conhecia e que ela chamava orgasmo.
Pelos olhos fechados dele duas lágrimas espreitaram. Na garganta um nó profundo misto de raiva mal contida, ódio até. E desamôr sem retorno. Ela saiu de cima dele e sorriu-se triunfante de rosto suado. Ele de olhos fechados. Molhados. Corpo mortificado na completa impotência de reconstruir as ruinas dentro de si. Usado. Esmagado no canto do cisne de uma relação que fora sonho belo e terminava em trágico pesadelo.
E ela a deitar-se de rosto já fechado sem uma palavra. Nem higiene. Ele com mais um cigarro e outros na solidâo de uma sala que já fora acolhedora. E mais uma noite mal dormida na mental busca de um caminho que lhe permitisse resgatar das chamas daquele inferno o futuro daquela criança que dormia no quarto ao lado.
No dia seguinte ela acordou gelada. Não tinha ninguém ao lado. A cama fria e abandonada e uma carta na almofada. Abriu-a. Tinha escritas apenas algumas, poucas palavras:
Adeus, nada mais faz sentido aqui. Nada nem ninguem me voltará a usar na vida...

9.11.05

Sinto saudades de ti

sinto saudades de ti,
quando caminho,
quando choro,
quando rio.
quando o sol queima
quando faz frio,
porque te sinto parte de mim


sinto saudades de ti,
nas noites geladas em que não encontro sono,
como sinto tua falta

sinto saudades de ti
em cada passo perdido
a cada momento recordado
em que sei que estou vivendo
mas tambem que estou morrendo
porque sinto tua falta

sinto saudades de ti
quando a manhã começa a dar vida e cores
com as tuas virtudes
com os teus erros

recordas-me ainda
não sei
mas sinto saudades de ti

sinto saudades de ti
sinto tua falta
e as saudades corroem-me...

.....devagar.

2.11.05

A noite e a cidade


Embrenho-me na noite morna
Por entre as ruas esburacadas da cidade.
Procuro um não sei de quê ou porquê.
Quando ando ás cegas deixo-me guiar

Pelo formato alongado das sombras

Pela contramão dos sons de passos sem dono

Pelos acordes de portas envelhecidas

Por instintos naturais porque nascidos ali no momento

Filhos de uma decisão que definitivamente não controlo

Mas que me leva.
Na jornada ofereço-me uma viagem da verdade
Apenas possível de sentir na noite
Dos corpos desvalidos sem abrigo
Dos rostos assustados e sedentos
Da ansiedade feita carne quase morta
Da oferta feita dádiva de amor pago e urgente
Cega, irreal, desamada.
Na vertigem desta lansidão sem rumo
Na procura do nada e de tudo
Encontro-me comigo na noite da cidade.

A falta de amôr


Dizem que os poetas vivem mais intensamente.
E eu que não sou poeta, nem de rua,
Que sou frio, materialista e até céptico,
Que piso na terra fria sem sentir o seu aroma,
Que olho todos os dias o mar rebelde e não o vejo,
Que recebo no rosto o sol da vida e não o sinto,
Que ando ao luar sem sequer olhar a lua,
Vivo agora os dias de forma tão sentida e tão dorida
Que se fosse poeta, gritaria á terra, ao mar, ao sol e á lua,
Quanto vos agradeço por existirem, quanto vos devo neste momento.
Porque a ausência do teu amôr construiu em mim um sêr diferente,
Deu-me luz aos olhos e sentidos á vida
E de forma sublime, arrebatadora e eloquente,
Misturou teu rosto em tudo o que me rodeia,
Impôs-me a tua imagem necessária e urgente.
E assim descobri a intensidade da vida dos poetas,
A força imperiosa e infinita, da reconquista de um amor,
E com ela, a razão porque ainda vale a pena a vida.