29.5.07

Sonho


entraste-me no sonho como um mergulho (in)voluntário nas águas revoltas do indico.sabes, desde o dia em que te mudás-te para o outro lado, não consigo passar pela baia sem olhar lá longe na vã tentativa de te observar passeando na areia.
tomás-te de assalto o quarto e o meu corpo e transformàs-te como sempre uma noite serena de sono numa aventura quase louca.
tinhas olheiras escuras e cavadas abaixo dos dois lagos luminosos com que a natureza te brindou. cabelo agora mais comprido, solto e perfumado. a pele fria que vestias sobre o corpo nú arrepiou-me ao primeiro contacto. abracei-te inteira na serena urgência do reencontro enquanto a tua boca percorria caminhos que apenas ela conhece e que invariavelmente me transportam a lugares novos, únicos. usaste-me inteira no tempo sem medida de um sonho, saciando a tua fome de vida e a minha de ti.
o teu corpo e o teu aroma femea. fusão que me persegue em flashback permanente desde aquele fim de tarde memorável que me obrigou a reavaliar tudo quanto considerava saber acerca das muitas formas de amar.
saiste no momento da viagem regressiva da oitava onda, deixando-me como sempre incapaz de te prender ou sequer esboçar um ténue pedido para ficares ate sêr dia.
obrigado pela visita. cumpre-se a promessa jurada entre nós de nunca deixarmos morrer a chama. eu faço a minha parte sonhando-te. tú a tua visitando-me o sono.
apenas um reparo. na próxima noite vem um pouco mais cedo. as madrugadas estão frias e as insónias pós partires entram inexorálvelmente pela manhã, tornando-me o dia numa agridoce ressaca de ti.

25.5.07

Recado


Vem até cá: conversamos um bocadinho o amor que deixámos por fazer, relembramos os parágrafos que nos deslassaram os abraços ferozes e soletramos os beijos que não demos. Partilhemos a vontade ociosa de sermos melhores do que aquilo em que nos tornámos.

24.5.07

Cronicas de vida


sinto-te entre as palavras escritas. e na busca do sentido de cada silaba antevejo o momento em que te amarei de novo e solto a imaginação nas memorias de ti. contigo tudo é sempre novo, imprevisivel como a tempestade. belo como o dia que começa. unico como cada fim de tarde na linha do horizonte.


prisioneiro involuntario me reconheço. acorrentado pelo querer e não dever. dividido entre o tudo a que me dou e o nada que te posso dar.

demasiado do que a vida me ensinou, é no teu corpo confirmado em cada momento de reencontro. por isso vale pena viver-te. por isso te aguardo e te desejo.

11.5.07

A Abstinência


Depois de uma desgastante e dolorosa desilusão amorosa, um sujeito decide entrar na legião estrangeira e oferece-se para servir no Medio Oriente. Depois de alguns meses de permanencia no deserto fazendo segurança a instalações petroliferas, ele não aguenta mais a abstinência sexual.
Pergunta a um amigo se há algum bordel na cidade mais proxima, ou algum outro lugar em que possa encontrar mulheres para acabar com aquele sofrimento. “Aqui, no meio do deserto? Nem penses. Se na folga mensal te metes com as mulheres da cidade e és descoberto, cortam-te o pescoço logo. Nestas terras as coisas são assim. Olha, quando a coisa aperta, a saída são as camelas usadas pelas caravanas que pernoitam por aqui”.
Indignado, ele diz que com camela não. Mais alguns meses se passam, porém, e o sujeito começa a mudar de opinião. Como quem nao quer nada comeca a olhar cada vez mais para as frequentes caravanas que passam defronte do seu posto de guarda. Aos poucos a possibilidade de conhecer biblicamente as camelas não lhe parece uma idéia tão má assim. Decidido, pede ao amigo mais informações sobre as camelas. “Vamos encontrá-las esta noite, depois do turno de guarda. Uma caravana com umas vinte esta acampada ali para norte depois das dunas”. “Contem comigo”, diz o sujeito.
No inicio da noite os turnos terminaram, foram feitas as rendições e toda a companhia sai a correr para a duna onde as camelas estão abrigadas. “Mas por que vai toda a gente a correr?”, pergunta ele. Sem perder o balanço, e em passo acelerado o amigo responde: “Tem de se correr mesmo. Ou queres ficar com as magricelas e as feias?”

10.5.07

Carta a um amigo distante.. I


Meu amigo,
Vivo numa terra imensa, onde os olhos quando observam a linha do horizonte, confundem a lonjura das planicies verdes com a grandiosidade azul do Indico apontando caminhos a outros mundos. Onde os homens se igualam aos imponentes embondeiros de raizes profundas, agarradas á terra fértil e mãe.

Terra de gente boa, de pessoas bonitas, alegres, com um coração tão grande quanto a magnitude única de sofrer na carne seculos a fio a dôr das grilhetas e do ferro e do fôgo, e num unico gesto apaziguador conseguir perdoar.

Um pais tão imenso e
tão grandioso, que a justiça, porque madrasta, mesquinha e pequenina, não chega infelizmente para todos!

8.5.07

Desejo


conta-me a tua noite de amor. transporta-me á
verdadeira dimensão dos teus sentidos para que
te possa desejar cada dia mais.
recuso
sequer pensar em mim para alem de ti. sei que te quero
incondicionalmente. não para sempre mas para
agora. com a urgência do desejo ampliado pela absoluta
necessidade de te sentir.

venda-me os olhos. renuncio á visão de ti
pois os teus olhos de fogo acender-me-ão
o coração. podes até nem falar as palavras doces
e os palavrões que imagino sussuras e gritas nos ouvidos
de quem amas. mas usa as mãos em mim para
me sentir. crava-me as unhas na pele mas
deixa o espirito incólume. marca-me com o ferro
inimitável da teu marca mas não me amarres a
paixões para alem daquilo que me podes dar.

ama-me e deixa-me na boca e espalhado na pele
os cheiros agridoces que o teu corpo de femea exala.
isso. encontrei a dimensão exacta do meu
desejo de ti. tacto e cheiros. corpos
transpirados na busca da plena
entrega. dadiva e recompensa. corpos que
encontram num qualquer vão de escada. os
nossos. sem cobranças nem julgamentos nem
contratos
. paixão descontrole apenas. fogo.

encontro pleno e desencontro. com memória.

3.5.07

Noite de viagem


Amei a tua inquietação; e disseste-me que
te amei sem saber porquê, que as marés anunciavam
o luar que não chegou, que não foi preciso
olhar o fundo transparente das palavras
para que a sua verdade nos tocasse, que a tua mão
colheu o fruto da primeira árvore sem que nada
o impedisse.


Amei-te sem ter a certeza da manhã, sem ouvir
o vento que fez bater as janelas num eco do passado,
sem correr as cortinas do mundo para que
ninguém nos visse, sem apagar do teu rosto
o brilho da vida, enquanto as aves dormiam,
e o licor do sonho se derramava sobre os corpos
que cortavam a noite.


Mas ao seguir o seu rumo, o azul
floresceu das cinzas, a música despontou
dos silêncios da madrugada, e os teus olhos
amanheceram quando me disseste que
te amei, sem saber porquê.

Nuno Júdice em: http://www.aaz-nj.blogspot.com/