5.12.07

Demónios


Era apenas mais uma tarde de inicio de verão.

O livre arbítrio levou-nos, acompanhados de um amontoado de gente anónima e apressada, para dentro de um elevador de paredes escuras. Viagem curta mas com diversas paragens e alguma ansiedade.

Na pouca luz cumplice, os nossos olhares tocaram-se e durante segundos, ignorando a mole humana que nos redeava, trocaram em código a universal linguagem da cumplicidade acendendo sentidos e promessas.

À saída deixas-te-me um sorriso que acabou com toda a postura distante que tentara manter durante a breve viagem. Enquanto as portas se fechavam nas tuas costas, todos os olhares dos passageiros de ocasião se direcionaram para a minha atónita face, com evidente expressão de cumplicidade ou inveja mal disfarçada.

Desde esse dia, a expressão única dos teus olhos e o teu sorriso atrevido e belo, agarraram-se-me aos sentidos como um fotograma impresso na memória, provávelmente manipulado pelos muitos demónios que me habitam.

Vou serenando os luciferes, relembrando-lhes que a água nunca mais volta a passar debaixo da mesma ponte. Que aquilo que os simples chamam de destino é senão uma ratoeira para os incautos ou pouco avisados. Se já tenho o CV carregado de medalhas de papel gasto e a alma repleta de nódoas negras de outras batalhas e outras viagens. Autistas, com regularidade e presistencia demoniaca, eles voltam á carga, invocando argumentos com pouco sentido e ainda menos probabilidades de não serem senão o canto da sereia antes do abismo. No fundo eu sei que eles adoram ver-me na fogueira por isso vão preparando o fogo.

Vou resistindo por enquanto. Não sei por quanto tempo mais.