30.7.10

Desabafos no masculino...


Ela disse-lhe convicta que jamais poderia voltar a amar porque tinha fechado a vida com cadeados e jogado as chaves ao mar. E a responsabilidade era daquela tarde em que apanhara aquele com quem trocara votos de eterna fidelidade frente ao altar, a cheirar a perfume barato e ainda a apertar o cinto á saída daquela pensão na baixa. Que o simples facto de algum homem se aproximar dela com intenções que não fossem apenas profissionais, era suficiente para colocar a armadura desembainhar a espada e assumir uma posição de defesa que dizem os entendidos ainda é o melhor ataque para evitar surpresas. Que já tinha falado até com psicólogos e afins mas que nada havia a fazer. Que até o achava interessante e inteligente mas tinha á partida uma característica de género que a impedia de sequer colocar outra possibilidade que não fosse impedir qualquer tipo de aproximação. Que ser homem, é ser predador sem escrupulos nem principios. Que tal raça tem como característica principal não hesitar em se saciar em todas as mesas onde lhe abram as portas. Que todas as mulheres passam pelo mesmo. Até aquelas que vivem felizes ao lado deles só que não sabem ou não querem saber quantas são as pensões eles frequentam. Algumas porque vivem nas trevas do amor verdadeiro. Outras, porque não querem ver, que é a pior das cegueiras. Ou seja. Aquela mulher com quem se cruzara horas antes e deixara no ar tantas certezas que o forçaram a quatro entediantes horas de espera vigilante na esperança de uma abordagem carregada de planos, mais não era que uma muralha intransponível. O andar desafiante e as formas perfeitas de fêmea eram afinal a máscara de um glaciar que por cansaço ou incapacidade renunciou sem luta a tentar derreter.

- Ao caçador nem todos os dias a presa se coloca em posição ideal de tiro. E mesmo aqueles tiros que parecem fáceis muitas vezes perdem-se na savana. – Justificava-se ele sem muita convicção perante o silêncio cumplice de um grupo de amigos.
- O traidor chifrudo do marido é que foi responsável por esta tarde perdida. Eles fazem porcaria e um homem é que paga!

1.7.10

Carta do Inferno!



Sinto uma necessidade premente de te falar. Temos assuntos pendentes que não se tratam no tempo de um café que é aquilo que guardas ocasionalmente para mim. Pensei em talvez escrever-te uma carta. Não. Escrever uma carta dá um trabalho danado e depois fica registado para todo o sempre o que é uma chatice. Falar seria arrumar a questão de vez pois estaria por certo a olhar-te nos olhos, a medir-te a intensidade da voz. E os olhos, dizem, não mentem. Mas sei lá se sim ou não. Comigo nada nunca é branco ou preto e estas coisas do que se diz nunca é totalmente verdade nem completamente mentira. Tal como tu. Nunca saberei se aquele fogo que te começava nas palavras prévias e terminava afogado no rio de transpiração que nos encharcava os lençóis, eram reais ou apenas uma encenação pensada. Se os gritos e as palavras hereges que a custo te abafava na boca por causa dos vizinhos mais curiosos, eram resultado da minha capacidade de te pôr fora de toda e qualquer lucidez ou um ritual apenas teu de expulsar alguns dos muitos demónios de estimação que criás-te ao longo da vida. Não. Não sei. Apenas sei que eles não fugiram para longe. Eles nunca vão para muito longe. Simplesmente sem mudarem de ama, acobertaram-se em mim continuando a servir-te. Vampiros, malévolos e cobardes. Sei agora que com a única intenção de não me deixar esquecer. O que é profundamente injusto. Se partiste sem despedidas ou justificações porque não levas-te tudo? Se construis-te um novo refúgio nas antípodas do sitio que inventámos como ilha deserta, só nossa porque insana, porque não levas-te contigo toda a mobilia e pertences? Os teus servos ocupam-me espaço que preciso desesperadamente libertar. Quiçá para cumprir outros erros ainda maiores e mais marcantes, mas inevitáveis e urgentes. Porque eles me inibem e desmoralizam quando sussuram o teu nome e libertam o teu cheiro nos momentos mais impróprios. Sempre por analogia, os perversos. Insistentes. Persistentes e incómodos, Vá, vem. Vem buscar aquilo que te pertence. Bastam umas breves horas. Não precisaremos de exorcista nem curandeiro. O ritual sabemos qual é. Afinal tudo na vida tem um fim e tudo acabará precisamente como e onde começou. Cumprido o ciclo, renascerei.