Lucas Sithole estava farto da vida! Carregado de dívidas em todas as barracas da vizinhança, com um ano salários por receber, os quatro filhos metidos nos negócios do Estrela com cadastro mais sujo que caixote de lixo do Malanga, a filha rumando noite sim noite sim até á Feira Popular sob pretexto de visitar uma amiga doente, a esposa sem parar em casa 4 noites por semana no mukero entre Ressano e o Mandela.
Desesperado, um dia, Lucas resolveu suicidar-se. Atou uma corda numa mafurreira velha do quintal de casa. Esta, estava tão seca quanto a vida de Lucas e o ramo quebrou. Ainda teve de suportar um entorse mais de dois meses e o gozo da vizinhança.
Depois, atirou-se para a frente de um chapa ferrugento. Nada. Travou a tempo! Para complementar o fracasso levou ainda uns sopapos da equipa cobrador/motorista.
Tentou com uma pistola roubada debaixo da esteira do filho mais velho. Encravou ou nem balas tinha.
No meio de uma sessão de sura importada de Quelimane e aproveitando a bebedeira geral, solicitou ajuda ao seu amigo Nhamposse, conhecido assaltante e hábil manejador do instrumento cortante, para que este lhe espetasse uma faca no coração. Este invocando motivações religiosas recusou. Era Adventista de Sétimo Dia e aos sábados não trabalhava.
Experimentou com veneno depois de cuidadosamente têr estudado os fornecedores do produto no mercado de Xipamanine. Estava fora do prazo ou era falso. Ainda ganhou uma valente dor de barriga, uma diarreia sanguínolenta e a passagem pelas urgência do hospital de Mavalane..
Estava desesperado! Tinha de encontrar uma solução infalível á prova de mais humilhações. Sózinho em casa numa manhã de ressaca, ligou a televisão. Estava a começar o noticiário matinal da TVM num radioso dia 1º de Maio, Dia do Trabalhador. Foi aí que finalmente viu a luz ao fim do túnel. Era isso! Não podia falhar! Vestiu umas calças á pressa e escolheu no cesto arrumado no canto da sala uma t-shirt amarrotada e abandonada que um dos filhos tinha deixado esquecida por ali. Tambem raramente alguem tivera a coragem de a vestir pois apresentava a imagem de um dos lideres do maior partido oposisionista na frente e uma passaroco mal afamado nas costas. Enfiou uns chinelos, saiu de casa em passo apressado e entrou num chapa, deixando-se levar até á Baixa da cidade.
Ao fim de algum tempo, chegou ao seu destino. Na praça dos Trabalhadores a agitação era geral. O discurso do Presidente ouvia-se por toda a zona portuária aumentado por potentes colunas de som. Falava entusiasmado das conquistas dos trabalhadores, da justiça implacável no combate á corrupção endémica e pela eunésima vêz decretava uma ofensiva generalizada contra o deixa andar que corruía as entranhas do nação e do estado.
As mamanas da OMM ululavam os seus canticos. O povão trabalhador a prazo ou desempregado, batia palmas frenéticamente gritando vivas ao Presidente.
Lucas foi-se entranhando na multidão. Por onde passava as cabeças voltavam-se perante a injúria das imagens da sua vestimenta. Mas ninguem teve coragem de o parar ou interpelar. O seu porte decidido e o factor surpresa jogaram a seu favôr. Quando estava bem perto do palanque imobilizou-se e respirou fundo. Uns minutos depois e aproveitando uma providencial pausa presidencial no desenrolar do discurso, para um copo de água gelada e retemperadora, gritou com toda a força que lhe restava:
-QUEREMOS OS ASSASSINOS DE SIBA-SIBA E CARDOSO JULGADOS!!!
Até o Presidente se engasgou, interrompendo o sorvêr da água gelada e o discurso! As mamanas da OMM silenciaram-se. O povão deixou as palmas e apurou os auriculares orificios. Lucas aproveitou os segundos de silêncio para voltar á carga:
-QUEREMOS TODOS OS CORRUPTOS NA CADEIA!!
Desde os paus de bandeira aos disticos contra e a favôr, passando pelas proletárias ferramentas de manifestação, tudo serviu para fazer calar aquela vós dissonante. Contam até algumas oficiosas testemunhas que o nosso herói sucumbiu com um evidente sorriso de vitória nos lábios. O que ainda mais enfureceu a turba e provávelmente acelerou o seu fim.
Da restante história de Lucas Sithole, o suicida voluntário, conferi eu num retangulo pequeno, sem fotografia na página de necreologia do Jornal Noticias do dia seguinte. O enterro no cemitério de Lhanguene foi acompanhado apenas por familiares e por alguns dos muitos credores.
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