1.7.10

Carta do Inferno!



Sinto uma necessidade premente de te falar. Temos assuntos pendentes que não se tratam no tempo de um café que é aquilo que guardas ocasionalmente para mim. Pensei em talvez escrever-te uma carta. Não. Escrever uma carta dá um trabalho danado e depois fica registado para todo o sempre o que é uma chatice. Falar seria arrumar a questão de vez pois estaria por certo a olhar-te nos olhos, a medir-te a intensidade da voz. E os olhos, dizem, não mentem. Mas sei lá se sim ou não. Comigo nada nunca é branco ou preto e estas coisas do que se diz nunca é totalmente verdade nem completamente mentira. Tal como tu. Nunca saberei se aquele fogo que te começava nas palavras prévias e terminava afogado no rio de transpiração que nos encharcava os lençóis, eram reais ou apenas uma encenação pensada. Se os gritos e as palavras hereges que a custo te abafava na boca por causa dos vizinhos mais curiosos, eram resultado da minha capacidade de te pôr fora de toda e qualquer lucidez ou um ritual apenas teu de expulsar alguns dos muitos demónios de estimação que criás-te ao longo da vida. Não. Não sei. Apenas sei que eles não fugiram para longe. Eles nunca vão para muito longe. Simplesmente sem mudarem de ama, acobertaram-se em mim continuando a servir-te. Vampiros, malévolos e cobardes. Sei agora que com a única intenção de não me deixar esquecer. O que é profundamente injusto. Se partiste sem despedidas ou justificações porque não levas-te tudo? Se construis-te um novo refúgio nas antípodas do sitio que inventámos como ilha deserta, só nossa porque insana, porque não levas-te contigo toda a mobilia e pertences? Os teus servos ocupam-me espaço que preciso desesperadamente libertar. Quiçá para cumprir outros erros ainda maiores e mais marcantes, mas inevitáveis e urgentes. Porque eles me inibem e desmoralizam quando sussuram o teu nome e libertam o teu cheiro nos momentos mais impróprios. Sempre por analogia, os perversos. Insistentes. Persistentes e incómodos, Vá, vem. Vem buscar aquilo que te pertence. Bastam umas breves horas. Não precisaremos de exorcista nem curandeiro. O ritual sabemos qual é. Afinal tudo na vida tem um fim e tudo acabará precisamente como e onde começou. Cumprido o ciclo, renascerei.


4 comentários:

Anónimo disse...

Ilustre desconhecido,

E existem ciclos que se cumprem? Afinal essa cena de finais se confundirem com (re)começos e o novo se encontrar no que ficou pra traz sempre confundiu-me os neurónios. Tenho cá pra mim que raivas, suspiros e momentos nunca se vão totalmente.

Mesmo que ela os tenha pretendido carregar todas essas cenas na sua pretensão (aquela própria de fêmeas feridas) sempre se encontram rastos mal cheirosos por todo seu caminho e num ou outro poema lá se encontram as evidencias de que tudo que é demais sobra. E tudo foi demais...assumo.

Também me pergunto porque a fulana não volta de uma vez e implode de gozo o teu corpo, daqueles que deixam o corpo com nódoas negras mas a alma repleta de satisfação. Sabes do que falo, concerteza... vodoo puro. Desta terra. Desta história. Desta mediocridade de idas e vindas. Talvez ela não volte porque tenha escapado com vida e na roleta russa a sorte não se repete com frequência, ou porque gosta de se vestir de dramas excessivos, voláteis e egoístas que de vez em quando até a permitem escrevinhar uns poemas em guardanapos de papel, ou então porque se confundiu com as paisagens adjacentes e percebeu que sossegos unilaterais também servem de companhia pra uma vida sem muitos sobressaltos.

E que tal se ela, simplesmente não mais acredita em rituais do tipo e bem lá no fundo prefere-te assim...semi-vivo. Zombi. Sem direito ao renascimento? ( Isto tudo são teorias claro, porque se nenhuma carta foi escrita ao inferno, então não teremos resposta do diabo, diaba no caso).

Agora ve lá se te cuidas, diminuis o cigarro e percebes que nesses ciclos o que importa é apenas o sabor da vida que se viveu. Nem mais. Nem menos. E feridas abertas ou fechadas acabam sempre se alimentando de (más)recordações.

Bjs doces

Anónimo disse...

Teu estágio - As feridas fecham com tempo. Se abertas no tempo, matam. O que fica são cicatrizes de sobrevivência e vida. Que regra geral não doem. Serenam-nos e ainda bem. Confesso que tive receio que os "sossegos unilaterais" nunca chegassem. Sem traições á memória sei que em muito momentos fui responsável por terem voltado.
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Estágio de quem pensas conhecer mas não conheces. (Tambem não se pode saber tudo) - A bala prateada está no tambor do revolver desde a primeira hora á muitos anos. A sorte ou a morte. Sem hora marcada, mas lá. Apertar o gatilho é apenas e só tão necessário como respirar. O tudo sem nunca ser demais. Para voltar ao nada e regressar. Sempre.

bj

PS1: Antes o destino que a sorte. Por isso repeli sempre rituais mesmo que vodoo (puro ou impuro). Interferencias externas, não obrigado. Aquelas que a adrenalina e a teosterona me permitem já me dão um trabalho danado e com a idade, umas dores nas costas do caraças!!

PS2: a farinha nunca será do mesmo saco. ainda bem para ti!

Anónimo disse...

Ilustre desconhecido,

[Raisfodam... Adoro o cheiro á polvora ]

O cinismo sempre foi uma arma que usaste com mestria e já percebi que só fez melhorar com o tempo. Ainda bem, que de algum modo aprendi também a usa-la. E aprendi com o melhor. Engraçado como a ideia de “cicatrizes” pode variar tanto...minhas acabam sempre por doer, mais cedo ou mais tarde. Seja em dias de chuva, seja por um movimento mal feito, seja por olha-la no espelho quando mesmo sem querer ela não se reflecte, reflecte o que já foi. Mas, como somos responsáveis por qualquer marca que nos vista o corpo ou a alma, não consigo como tu, encontrar o responsável. Afinal...cada um tem o que merece, ou o que procura. Éh...esses velhos clichês são perfeitos pra serem usados em argumentos murchos como este.

Destino ou sorte?? Mas...não são elas filhos de um mesmo Deus? Ao contrario de ti que sabes perfeitamente qual preferes eu tenho minhas duvidas se estar no epicentro de qualquer uma delas não será o mesmo que se deixar levar num remoinho onde tudo se precipita numa espera absurda e a passividade é o unico personagem que se mantém alimentando em seu regaço a lembrança dos velhos tempos. Naaa...Nem destino e nem sorte. Infelizmente sempre fui passional demais pra ser passiva.

Bjs doces

P.S.1. Anti-inflamatórios comuns ajudam nessas dores trazidas pela idade...dizem. Não comprovo porque a minha idade ainda não trouxe dessas coisas.

P.S.2. A farinha nunca será do mesmo saco. Ainda bem pra mim.

Anónimo disse...

Incrivel como tuas historias se parecem as minhas...incrivel como quero acreditar que um dia foram as minhas a milhas atras...