17.7.08

Café matinal


imagem daqui


Aquele homem de meia idade com quem me cruzo diariamente desde á dois meses pela manhã, tem algo de estranho e ao mesmo tempo misterioso, que me confunde profundamente. Não consigo defenir se acorda triste ou apenas amargurado ou se nada disso que eu imagino é verdade. Não parece feliz mas tambem não posso afirmar com certeza que seja infeliz. Tem uma testa altiva que lhe dá serenidade mas os olhos traem-no. A inquietude no olhar e nas mãos é quase permanente. Dirige-se à mesa, senta-se, bebe o café curto com adoçante e volta a sair parecendo ignorar completamente o que o rodeia. Normalmente observo-lhe as mão inquietas e os olhos nervosos, tentando entender-lhe a alma mas acabo por não chegar a nenhuma conclusão quando fixo o olhar por alguns segundos no perfil da face. Parece uma mascara de pedra. Granitica. Nada do que se passe naquele micro-cosmos citadino com odores fortes a torradas queimadas com manteiga, sumo de laranja e café forte, lhe faz mexer um musculo facial que seja. Sinceramente não consigo formular uma opinião acerca dos mistérios que aquele homem transporta mas calculo que sejam muitos e pesados. Acho que a partir de amanhã vou-me dedicar a observar a mulher que entra sempre dois passos atrás, se senta na cadeira ao lado, e terminado o café se levanta uns segundos depois dele, seguindo-o até á rua. Parece ser sua filha mas pode ser tambem a esposa ou namorada ou mesmo amante. Pode até ser uma colega de trabalho ou simplesmente uma secretária dedicada pois é ela que paga o café todas as manhãs. È muito jovem ela e ainda mais bonita. Usa um perfume de jasmim que combina mal com a sensualidade urbana que transpira em cada curva do corpo. Tem lábios atrevidos e peito proporcionado. Usa saias curtas e justas e por vezes esquece de fechar os ultimos botões do decote. Tem olhos grandes e escuros ela, que como focos de luz percorrem toda a sala procurando outros olhos onde se fixarem. Tenho a certeza que muitas vezes procura exatamente os meus para aquele exercicio estranho mas normalmente evito olhá-la porque me desconcerta e incomoda mas amanhã vou resistir aquele fogo que queima e tentar conseguir atravéz deles, desvendar os mistérios que aquele homem oculta e que tanto me deixam intrigado.

4 comentários:

Sombra de Anja disse...

O que a solidão não faz!
É acompanhada por um café curto, um sumo de laranja e uma troca de olhares fervorosos.
A fuga de si mesmo para um outrem é uma luta constante do ser humano enigmaticamente inteligente.
Por mais que uma pétala de vento açoite tua face, o conjunto delas se enamorará pela tua mente.

Texto belíssimo.
Beijo docemente angelical

Jácome D`Alva disse...

Anja,

nem sempre a solidão é uma imposição externa. Tambem é uma opção consciente e assumida.

O homem do café que aparenta tantas contradições nunca será um homem vazio, pois elas abrem-lhe um leque interminável de opções. Provávelmente conhece-as todas e as que não conhece o tempo se encarregará de lhe mostar.

Resta-lhe o momento da decisão.

Que tanto poderá ser ficar como partir. Uma e outra poderão ser sempre entendidas como fugas dependendo do ponto de vista de quem as analisa.

um beijo

Sombra de Anja disse...

Caro Jácome,
Claramente que as contradições (para um homem inteligente) podem tornar-se num leque infindável de escolhas e decisões.
Se o homem do café é feliz? Não sei...não o conheço...nem a alma dele.
Se a mulher que paga o café é infeliz? Não sei...nunca a vi sorrir.
Mas sei que, decisões não são fugas e nem desculpas mal paridas, mas sim parte do que somos, do que nos tornamos.

Reitero...o texto é belíssimo.

Bjs angelicais

Jácome D`Alva disse...

Introduzes um elemento semantico novo na questão. Desculpas. Mal paridas.

Elevamos assim a retórica para uns niveis acima do "ground level" meramente observador e entramos no plano inquisitório dos julgamentos de personalidade.

Não sei porquê mas sinto-me... réu!!!

um beijo

PS:
Adoro debater contigo... quase tanto como apanhar a tua boleia nos passeios celestiais!