7.12.09

FIM


Chegou ao fim da estrada ou foi a estrada que lhe ditou o fim. Voltar atrás mais uma vez será um erro irreversível. Resta -lhe o salto em frente num precipício onde já mergulhou e sobreviveu noutras ocasiões. A única diferença é que nessas ocasiões as forças eram outras. Resta-lhe a esperança de que as asas de outrora renasçam ou um milagre. Ou que o fim seja doce.
PS: Perdoa-me princesa...

3.12.09

Amargos


Esta frase li hoje no Pecado Original a legendar uma foto de uma mulher.

“As pessoas são frágeis. Falham. Desiludem. Escondem-se. Mas as pessoas também são tudo aquilo que temos de melhor”

Ando na fase do contra, amargo por culpa própria é certo, mas não só. E dei comigo a olhar o rosto da senhora na procura do citado lado bom que as pessoas têm. Não. Por muito interessante que seja a foto e louvável a intenção de quem a colocou ali, ainda não foi desta que me convenceram que algo de verdadeiramente bom possa vir de pessoas, espécie humana, mulheres e homens. Talvez de uma criança. Acredito que sim. Porque ainda não é um homem ou mulher dito responsável. Ou de um gato. Se não tiver um olho de cada côr e lhe derem a ração diária a tempo e horas. Ou mesmo de um selvagem leão faminto lá das terras de cabo Delgado como o da história escrita pelo Sérgio Veiga caçador de mil aventuras, que depois de derrubar a mãe que trazia uma criança de leite na neneca, perante o choro desabrido do petiz voltou costas ao jantar e desapareceu no meio do mato.

Bem, isto sou eu a pensar alto. Eu, que em cada dia que passa acredita menos que as pessoas possam ser também “tudo aquilo que temos de melhor”.

23.11.09

(In)felicidades


"A felicidade dos homens casados depende das mulheres com quem nunca casaram."

Oscar Wilde




Recordando Heliodoro!

`Eu pinto o sol sempre de preto’
Ilustração de Ivone Ralha´

Como em outros poetas, também em mim, anuí:
não há a probabilidade de me render.
E se o horizonte oscila, em seu remexer,
me cago no tédio, para todos e para ti!

Heliodoro Baptista, poeta moçambicano

6.11.09

Carta aberta aos Bancos Moçambicanos


Exmos.
Senhores Administradores do Banco XYZ em Moçambique.

Gostaria de saber se os senhores aceitariam pagar uma taxa, uma pequena taxa mensal, pela existência da padaria da vossa rua, ou pela existência do posto de gasolina ou da farmácia ou mesmo daquela banca que vende badgias aí mesmo frente á vossa sede, ou de qualquer outro desses serviços indispensáveis ao nosso dia-a-dia.

Esta taxa funcionaria desta forma. Todos os clientes pagariam em cada compra uma sobretaxa para a manutenção dos serviços (padaria, bomba de combustível, farmácia, banca, etc.). Uma taxa que não garantiria nenhum direito extraordinário ao cliente. Serviria apenas para enriquecer os seus proprietários sob a alegação de que serviria para manter um serviço de alta qualidade ou para amortizar investimentos. Por qualquer produto adquirido (um pão, um remédio, uns litro de combustível, uma badgia, etc.) o cliente, os senhores, pagariam os preços de mercado, acrescido da citada taxa. Que tal?

Pois, ontem saí do vosso Banco com a certeza que os senhores concordariam com tais taxas. Por uma questão de equidade e honestidade. E a minha certeza deriva de um raciocínio simples.

Vamos imaginar a seguinte situação. Eu vou à padaria para comprar um pão. O padeiro atende-me muito gentilmente, vende o pão e cobra-me o valôr de mercado do pão acrescido do serviço de embrulhar ou ensacar o pão como um extra. Além disso impõm outras taxas simples. Uma 'taxa de acesso ao pão', outra 'taxa por guardar pão quente' e ainda uma 'taxa de abertura da padaria'. Tudo com muito sorriso, muita cordialidade e muito profissionalismo, claro.

Fazendo uma comparação que talvez os padeiros não concordem, foi o que ocorreu comigo no vosso Banco. Contratei convosco um Financiamente de compra de um carro por sinal usado, ou seja, comprei um produto á venda na vossa loja de negócio bancário. Os senhores cobraram-me preços de mercado, assim como o padeiro cobra-me o preço de mercado pelo pão. Entretanto, de forma diferente do padeiro, os senhores não se satisfazem cobrando-me apenas pelo produto que adquiri. Para ter acesso ao produto do vosso negócio, os senhores cobram-me uma 'taxa de abertura de crédito' equivalente àquela hipotética 'taxa de acesso ao pão', que os senhores certamente achariam um absurdo e se negariam a pagar. Não satisfeitos, para ter acesso ao pão, digo, ao financiamento, fui obrigado a abrir uma conta ordenado no vosso Banco onde a minha empresa deposita o salário. Para que isso fosse possível, os senhores cobram-me uma 'taxa de abertura de conta'. Como só é possível fazer negócios com os senhores depois de abrir uma conta, essa 'taxa de abertura de conta' se assemelharia a uma 'taxa de abertura de padaria', pois só é possível fazer negócio com o padeiro, depois de ele abrir a padaria.

Pedi um cartão vulgar de débito para mais facilmente movimentar o meu dinheiro. Fui informado que pagaria uma taxa pela emissão do cartão e outra de cada vêz que dele fizesse uso, nem que fosse para consulta de saldo.

Pedi um extracto da minha conta, um único extracto no mês. Os senhores cobram-me mais uma taxa por esse serviço. Olhando o extracto, descobri uma outra taxa para `manutenção da conta', semelhante àquela 'taxa de existência da padaria da vossa rua'.

Antigamente para conseguir um empréstimo bancário era necessário pagar a alguns gerentes sem escrúpulos 'por fora',. Fiquei com a impressão que o Banco resolveu substituir-se aos gerentes sem escrúpulos. Agora, ao contrário de 'por fora' temos muitos pagamentos 'por dentro'.

A surpresa não acabou. Descobri outra taxa trimestral, uma taxa para manter um limite especial que não me dá nenhum direito. Se eu utilizar o limite especial vou pagar os juros mais altos do mundo e arredores. Semelhante àquela 'taxa por guardar o pão quente'.

Mas os senhores são insaciáveis.

A prestável funcionária que me atendeu, entregou-me um desdobrável onde sou informado que me cobrarão taxas por todo e qualquer movimento que eu fizer.

Cordialmente, retribuindo tanta gentileza, gostaria de alertar que os senhores se devem ter esquecido de cobrar o ar que respirei enquanto estive nas instalações de vosso Banco e por favor, esclareçam-me uma dúvida existencial. Será que comprei um financiamento no vosso banco ou foi ao vosso banco que vendi a alma?

Tavez que depois de eu pagar as todas as taxas correspondentes, os senhores me respondam a esta carta. Muito provávelmente informando, muito cordial e profissionalmente, que um serviço bancário é muito diferente de uma padaria. Que a vossa responsabilidade é muito grande, que existem inúmeras exigências legais. Que os riscos do negócio são muito elevados, etc, etc, etc,. Que apesar de lamentarem muito e de nada poderem fazer, tudo o que estão a cobrar está devidamente coberto pela lei, regulamentado e autorizado pelo Banco de Moçambique. Sei disso, tal como sei também, que existem seguros e garantias legais que protegem o vosso negócio de todo e qualquer risco. Sei tambem que nos casos conhecidos de bancos fecharem as portas por má gestão dos seus Administradores, quem ficou na penúria foram os incautos que tinham depositado nesses bancos as economias da vida. Posto isto, presumo que os riscos de uma padaria, que não conta com o poder de influência dos senhores, talvez sejam muito mais elevados e o pobre do padeiro apenas me cobra o valôr do pão e ainda me devolve um reconfortante boa noite todos os dias.

Para terminar quero reafirmar a V. Exas. que sei da legalidade de todas estas taxas. Tal como todos sabemos que apesar de legais, são imorais. Por mais que estejam protegidos pelas leis, tais taxas são uma imoralidade gritante. E uma imoralidade cometida sobre clientes sem qualquer possibilidade de defesa ou alternativa. Porque todos os bancos funcionam em cartel. O que não sei se é ou não legal, mas que devia ser crime á face da lei, devia.

(Recebido por email e adaptado)

2.11.09

Doces...

Foto descoberta aqui

Para quê as palavras quando uma imagem é capaz de nos transmitir tanto.

26.10.09

Pontes


Trocaram de olhares de forma fugaz mas intensa e esclarecedora. Breves segundos. Na confusão da avenida, a compacta fila de carros não permitiu mais e um foi forçado a avançar. Subiu a temperatura e ficou a vontade de repetir a ousadia. Afinal os olhos não mentem e aquela troca podia significar que aquele fim de tarde chuvoso e cinzento se podia tornar ainda diferente. Um deles atrasou o mais que pode a marcha e o outro pressionou o carro da frente até que ficaram de novo lado a lado. E no meio da poluente confusão urbana de buzinadelas e latas com motores fumarentos, os olhos construíram uma ponte. E por essa ponte fizeram passar a certeza de que aquilo que os separava era nada.

Não sei dizer se foi o carro dela ou o dele que ficou estacionado uns metros mais á frente até à manhã seguinte. O que constatei é que as pontes tambem se podem construir nas tardes de chuva mesmo que durem apenas o momento em que partilhamos vontades sem amarras.

15.10.09

Armaduras



Deste que te conheci que tenho vontade de te dizer algo que refuto de muito importante. Mas como não és uma pessoa fácil vou simplificando a vida na certeza de que o tempo corre contra mim e a cada dia se dilui mais a importância das coisas importantes.

7.10.09

Sexta-feira à noite



Sexta-feira à noite
os homens acariciam o clitóris das esposas
com dedos molhados de saliva.
O mesmo gesto com que todos os dias
contam dinheiro papéis documentos
e folheiam nas revistas
a vida dos seus ídolos.

Sexta-feira à noite
os homens penetram suas esposas
com tédio e pênis.
O mesmo tédio com que todos os dias
enfiam o carro na garagem
o dedo no nariz
e metem a mão no bolso
para coçar o saco.

Sexta-feira à noite
os homens ressonam de borco
enquanto as mulheres no escuro
encaram seu destino
e sonham com o príncipe encantado.



Marina Colasanti


24.9.09

Outubros


A metralhadora e a espada. O medo e o frio.
A revolta abafada. A cegueira e o vazio.
A voz amordaçada. O asco e o fastio.
A alma dormente. A garganta apertada.

A terra que seca o vazio das mentes.
As palavras presas. Os planos adiados.
O grunhido dos porcos. O rebanho cego.
Os gritos calados. Os filhos deslocados.

A lucidêz de reconhecer a verdade,
O cheiro nauseabundo da mentira.
A revolta anunciada e eternamente adiada.

E os homens e as mulheres amedrontados.
E aqueles ignorantes que tanto se lhes dá
Que Pátria vá parir filhos ou enteados.

5.6.09

Dialogos Prováveis (parte III)

Afinal a minha ilustre CONVIDADA tem talento como tinhamos a certeza. Apesar de poupadinha nas palavras, deu um toque de beleza e intensidade á nossa história que lhe estava a faltar. E claramente fez subir a temperatura da Sofia e do Carlos o que é por demais importante. Acredito e desejava, que tivesse ido mais alem, mas... Agora é necessário continuar. As nossas personagens carregam um passado cheio de surpresas e claramente, a noite não pode acabar assim sem que o desvendemos... Alguem se candidata a co-autor?
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Sofia sentiu um frio no estomago, seus olhos húmidos e túrgidos ergueram-se e fixaram-se nos de Carlos acompanhados de um suspiro, reflexo de todos sentimentos lhe invadiam a alma. Ao aperceber-se da mescla de sentimentos confusos que pairavam em Sofia, e a si mesmo, Carlos abraçou-a. Entrelançando aquele corpo monumental com seus braços fortes. Nesse instante, os dois foram acobertados por uma brisa fresca que projectou Sofia a um momento de divagação.

Ela sonhava com um mundo perfeito, onde o sol brilhava para todos, a felicidade era plena, onde o medo e a incerteza não pairavam e as lagrimas eram sempre de alegria e emoção. Entretanto, aos poucos e delicadamente, Carlos se foi soltando, e lentamente percorreu com seus braços o quadris de sua companheira. Nessa viagem carregada de erotismo, já com as mãos na nuca, delicadamente beijou a face de Sofia que em jeito de Bela Adormecida acordou do instante de divagação.

Sofia abriu os olhos, ardente de desejo, esboçou um sorriso encabulado para disfarçar, enquanto pensava consigo mesma: “Vou? P`ra onde? O que sera que ele quis dizer? Sera que...?” Enquanto isso, Carlos levanta a sua mão e diz mais uma vez: “Vem Sofia, vem comigo!” Sofia toma a decisão em seu pensamento: “ao que a noite me levar, entrego-me por completo, confio na força que me move com esperança” logo dá a sua mão a Carlos e....... ........

3.6.09

Dialogos Prováveis (parte II)




Não sei onde esta história vai terminar porque a AVID aceitou o meu desafio para lhe dar continuidade e vindo dela o melhor seria começar a chamar-lhe "Dialogos Improváveis". mas, dado que ainda existe um outro desafio não respondido, a ALGUEM que diz não ter talento para nos mostrar mas todos sabemos que não é verdade, espero poder publicar a continuação sem ter de alterar o título.

PS: Linda, o texto tá óptimo...

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Sofia sorriu cinicamente perante tal revelação e num impulso levantou-se. O gesto custou-lhe um ligeiro desiquilibrio em cima dos saltos Manolo Blahnik de quinhentos dolares bem empregues, que nesse exacto instante lhe magoavam tanto os pés que ela sentiu o sangue escorrer pela alma. Com a mesma delicadeza misturada a uma timidez característica de quem disse algo que não devia, Carlos a amparou como se preserva uma preciosidade prestes a quebrar ao mínimo som do vento.

Odiava sentir-se fraca, mas a mistura da bebida e o excesso de ousadia descabido provocava-lhe náuseas fazendo com que ela endurecesse a expressão do rosto, como habitualmente fazia. Ele sorriu percebendo nela a mesma mascara que durante anos tinha usado para deixar transparecer tudo aquilo que não era.
- Entendo a surpresa - Disse ele num tom neutro quebrando o silêncio aborrecido que se inha instalado.
- Não entendes. Ninguém entende - Respondeu ela falando de outras vidas e soltando uma gargalhada cínica mas completamente quente e sensual.
Sofia desprendeu-se dos braços que ainda a seguravam dando-lhe equilíbrio. Afastou-se e de pé, encostou-se na mesa para deixar que a brisa lhe levasse embora a vergonha que sentia por ter sido tão ousada em demasia, calando a boca enquanto perdia o olhar no horizonte negro.
Carlos observou-a mais atentamente. Sofia era uma mulher alta, de traços e gestos elegantes. Concerteza deveria pertencer a alta sociedade maputense pois pelo muito que ele conhecia de roupas e marcas ela se vestia com o mais bom gosto encontrado na praça. Agora, parecia fria e distante, mas ele poderia jurar que aquela mulher saberia perfeitamente levar um homem a loucura caso se entregasse de verdade. Qualquer homem, menos ele, claro. Afinal não se sentia atraído por mulheres e logo agora que nada mais tinha a esconder estava ali perdido a tentar entender aquela estranha que de forma quase ingénua se tinha atirado a ele. Sorriu em silencio e aproximou-se mais do seu corpo e num sorriso encantador ofereceu-lhe um cigarro que ela aceitou.
No instante em que Sofia aceitou o cigarro, um toque inesperado quase se fez choque entre as mãos de Carlos e Sofia, o que fez que se entre olhassem e dividissem incógnitas e segredos mesmo sem palavras. Conversaram banalidades enquanto fumavam o primeiro cigarro e quase que instintivamente ela começou a balançar-se ao som da old music que vinha de dentro da discoteca, ele acompanhou-a e encostou-se as ancas bem proporcionadas de Sofia. Sofia nada falou. Rebolava devagar enquanto sentia a respiração quente e muda de Carlos aquecer-lhe os ombros quase nus. Carlos sentia-se estranho perante aquela mulata misteriosa e ausente, observava Sofia quase entrar em transe no ritmo e, num impulso inexplicavel virou-lhe o rosto contra o seu.
Sofia não conseguiu falar porque o olhar de Carlos calou-a. Não foi um olhar habitual. Foi um olhar estranhamente diferente e caloroso que nada tinha a ver com sedução.
-Vem comigo Sofia - Disse Carlos como se da sua boca renascesse o poema de uma morte por anunciar.

26.5.09

Diálogos Prováveis (parte I)




Diálogos Prováveis na Noite de Maputo



Vestiu-se de forma a evidenciar os atributos fisícos que sabia ainda manter intactos. Saíu de casa naquele sabado á noite, disposta a recomeçar a viver. Seis meses de clausúra eram já mais que suficiente para cumprir o luto pelo fim de uma relação fracassada de seis anos. Juntou-se a um grupo de amigas e nessa noite beberia o suficiente para se desinibir, divertir-se e possívelmente acabar a noite nos braços de alguem.
Depois do jantar num dos restaurantes da moda e das habituais discussões acerca do local onde terminar a noite, decidiram-se pela discoteca mais famosa da cidade. O ambiente era demasiado jovem para ela e a música não lhe agradou de inicio mas acabou por ignorar os pormenores e cumprir aquilo que tinha planeado. Divertir-se e esquecer. Dançou durante duas horas seguidas, riu bastante e a meio da noite descobriu um olhar masculino e provocador que a perseguia pela pista de dança. Estava cumprida parte da noite e era chegada a altura de passar á ultima fase.
Pelos sinais que se recordava e que eram usados universalmente pela fauna urbana da noite, convidou-o com o olhar a aproximar-se dela. Durante alguns segundos fixou-lhe os olhos negros e rebeldes usando um olhar insinuante e sorrisso fingidamente candido. Ele, respondeu com um sorriso cumplice mas permaneceu de pé, encostado ao balcão de forma provocadoramente desinteressada. Ela ficou embaraçada e por alguns instantes desviou o olhar. No meio daquela turba onde predominavam jovens femeas predadoras, aquele era sem dúvida um dos troféus mais apetecidos mas sentia-se capaz de o levar para casa.
A aparente timidez dele obrigou-a a mudar de estratégia. Disfarçadamente desceu o decote da blusa e encheu o peito. Olhou-o desafiadoramente de frente e levantou-se. Agarrou o copo e atravessou a sala repleta de gente frenética que abanava os corpos ao som da música e sem nunca deixar de o olhar nos olhos, aproximou-se. Visto de perto era ainda mais interessante. Jeans de marca e camisa preta. Pele morena clara, olhos escuros e lábios sensualmente grossos. O cabelo castanho claro ondulado e prepositadamente despenteado, dava-lhe um ar de menino rebelde apesar de evidenciar que já passara dos trinta.
- Boa noite. Aqui está um barulho infernal . Trocas por momentos o conforto do balcão e acompanhas-me ao jardim para podermos conversar um pouco enquanto acabamos as nossas bebidas?
- Porque não? – respondeu ele.
Ela pegou-lhe na mão e arrastou-o atrás de si enquanto abria caminho. Transpôs a porta de acesso ao jardim, ladeou a piscina e escolheu uma mesa no fundo meio escondida entre palmeiras, onde o som da pista de dança chegava com pouca intensidade e permitia dialogar.
- O meu nome é Sofia. Sou divorciada à poucos meses e não saio de casa para locais como este á cerca de dois anos. Devo ter perdido o ritmo pois tanta gente junta confunde-me. Tú és um homem demasiado bonito para estares neste local sózinho. Que se passa?
- Obrigado pelo elogio. Tambem és muito bonita e sexy. Chamo-me Carlos. Tenho uma filha de 3 anos e vivo só. Fui casado mas descobri outros caminhos e tambem me divorciei.
- Outros caminhos? Que significa isso?
- Provávelmente vou-te desiludir mas... descobri que afinal o que gosto verdadeiramente é de homens. Sou gay, portanto...


21.5.09

Opções


Por norma encanto-me fácilmente com as pessoas num primeiro contacto mesmo que breve. Salvo em raras e importantes situações, tambem por norma desencanto-me naturalmente ao fim de algum tempo. Esta reconhecida incapacidade de consolidar o portfólio de amizades duráveis, coloca-me por esta altura num dilema existencial. Desde que te conheci que não me sais da almofada. E, ou te mantenho aí e sei que vais durar, ou te meto nos debaixo lençois como claramente pretendes e aí sei, vai começar a contagem decrescente.

Dúvidas deste género à uns poucos anos atrás nem se colocavam. Era caminho directo para a fogueira seguido de uns quantos dramas de alcofa inevitáveis e um afastamento natural e irreversível. De tantas vezes ver o filme até já os nomes dos duplos conheço.
Nesta altura da vida, ou o barómetro que rege as opções anda avariado ou fiquei adulto antes de tempo.

20.5.09

As mulheres são o que são!



Não resisto a transcrever daqui. Com uma respeitosa vénia!

As mulheres trocam tudo. Especialmente trocam quando desligam o coração do corpo: impossível cirurgia. Porque a fazem? Querem um amor livre de sofrimento como um iogurte livre de açúcar? Não há. Vão para a cama com um homem, têm um orgasmo e acham que se apaixonaram. Se têm o azar de ser sexualmente compatíveis com esse homem, porque as anteriores experiências do sexo os deixaram a ambos no mesmo patamar performativo, acham que amam, que é a mística da pele ou as feromonas ou outra merda qualquer sentimental e zoológica. Se a isto se junta alguma proximidade de referentes académicos e sociais é, seria se eles deixassem, a predestinação, como não deixam, o drama de ter e perder! Viram a luz, pela vigésima vez, mas já esqueceram as outras dezanove... Os homens têm, no sexo como na linguagem, um coração mais escorreito, menos rasteiro. Andam mais próximo da verdade. Sexo é sexo. É desejo e posse todo o tempo em que o desejo de posse durar. Se é bom, melhor, demora mais do a ao z. Mas não lhe chamam amor por causa disso. Claro que todo aquele maluquedo de serem o senhor irresistível número x/2009 os envaidece. Isto é um desencontro horrível: elas engolem dicionários à procura do brilho da palavra que, enquanto os ofusque, as enalteça, eles andam à procura do primeiro, tão simples, "gosto de ti". Em tudo o que é genuíno, do amor à arte, há, não a elaboração, mas o despojamento da carne em espírito vivo.


12.5.09

Marcas de Guerra


Prisioneiro das teias que tecemos, interrogo o tempo que passou e não te apaga. Ès um peso que carrego, leve e agradável em alguns poucos momentos, insuportável e agreste quase sempre, em especial quando invades sem convite as minhas carências afectivas. E eu que tanto lutei para seres apenas mais uma indolor cicatriz de guerra, começo a equacionar a possibilidade de ter de recorrer a uma qualquer dessas modernas cirurgias experimentais para te remover definitivamente de mim.



20.2.09

Proximidades

Foto de Paulo Madeira

Tenho passado as ultimas semanas a pensar em algo que te possa fazer ou dizer e cujo efeito seja suficientemente forte que te ajude a suportar estes tempos de incerteza.
Mas a incapacidade para entender estes designios e a consequente raiva, incapacita-me de pensar algo que não seja equivalente a sentimentos tão intensos e negativos.
Ainda se soubesse rezar. Mas esqueci todas as ladainhas milagrosas que a minha velha avó me obrigava a repetir, de joelhos no chão aos finais de tarde. E só um deus muito distraído daria ouvidos a um declarado ateu que só lhe bate á porta quando está aflito. Ainda por cima a mover influências por terceiros o que é politicamente pouco correto nos dias de hoje. Por essa via acho que te ajudaria pouco.
Tenho ensaiado diversas frases sem nunca conseguir fugir das banalidades e lugares comuns. Por certo és forçada a ouvir a cada instante coisas identicas e se bem te conheço, devem fazer-te mais mal que bem. Equaciono com frequência a justiça e a injustiça de situações como a que vives, contrapondo os bons e os maus e porque mal traçado caminho se regem estas coisas do livre arbitreo. Porquê tú? Porque não eu ou um dos muitos fdp que aterrorizam o mundo?
Auto censuro-me porque estivemos tão perto de sermos nós e agora nem palavras adequadas encontro para te dizer. Não é o momento para arrependimentos mas...
Com algum alívio egoísta da minha parte, durante a nossa conversa de hoje á tarde acabaste-me quase completamente com este dilema. Porque, percebi finalmente que não necessitas de frases profundas nem gestos extravagantes. Tens apenas e só um duelo de morte para travar no sentido literal das palavras e dos factos. E em vez de te agarrares á almofada a chorar a má sorte, encontraste a arma letal que vai vencer o inimigo, precisamente no baú que guarda o tesouro. Dentro de ti. Com a força que sempre te conheci mas que julguei afastada pelos maus acasos. Felizmente ela voltou na hora certa.
E após termos desligado o telefone senti-me profundamente aliviado e convicto que, entre gargalhadas e provocações, em breve teremos mais umas histórias para contar.
Neste momento apenas te devo repetir. Vai e renasce. Por ti primeiro que tudo, mas tambem pela obra que pariste e que urge ser concluída. O que apenas tú podes fazer. Por ele e pela mulher unica que és. Expulsa e mata a fera estúpida e brutal que cobardemente te atacou e volta renascida.
Agora, desisto de tentar recordar-me das rezas e de encontrar palavras compostas á medida da minha angustia. Só quero olhar-te os olhos e a tua companhia num café adoçado com um beijo.
PS: Uma unica imposição para quando estiveres a 100%. Ficas proibida de subir coqueiros sem eu estar por perto. Com ou sem...

19.2.09

Blogosfera como serviço público


“A homossexualidade não é normal” - Disse D. José Saraiva Martins, um alto dignatário da igreja católica portuguesa durante uma entrevista televisiva realizada no Casino da Figueira da Foz em Portugal. (um local no minimo estranho para pregações)

"Normal é um homem andar toda a vida de saias e morrer virgem" - Responde com oportunidade o jornalista Daniel Oliveira no blogue Arrastão.

20.1.09

A little less conversation a little more action (short fiction story of a prelude to a New York kiss)


(Existem blogues maus e blogues bons. Este é entre os bons um dos melhores. Com a devida vénia ao Hugo Gonçalves). (falta o som original mas tambem não se pode copiar tudo)


Ela disse-lhe: 'You make wrinkled shirts look cool'.


Ele tinha uma nódoa de rum cola junto ao colarinho - alguém o empurrara num alcoolizado momento de dança, os dedos ficaram molhados, depois pegajosos, açúcar que ele lambeu baixando a cabeça como um miúdo que acabou de cometer uma ilegalidade na cozinha. Ele disse: 'I don't smoke, but do you have a cigarette?'
Ela aproximou-se mais. Tinha o cabelo ruivo, os olhos azuis, dedos com manchas de tinta. Ele tirou mais pedras de gelo do balde em cima da mesa. Disse: 'So you're an artist?' Ela tirou-lhe o copo da mão, provou, serviu mais rum: 'Boys need to be boys'.
Ele bebeu. O fervor do excesso de álcool espalhou-se nas paredes da boca e por todo o sistema nervoso. Olhou para o vestido dela, os ombros sem tecido, uma veia azul no pescoço quando ela se ria. E ria-se tanto. Ela perguntou: 'Nina Simone or Billie Holyday?'
Ele aproximou-se, as ancas de ambos a menos de um dedo de distância, uma das mãos segurando o copo, a outra a pousar no vestido, um pouco abaixo das costelas, até que o polegar deslizou, apertando-lhe o ponto onde se estreia a virilha. Por cima do vestido, ele podia sentir o fino elástico que lhe rodeava a cintura. Ela disse-lhe, boca ao lado da boca: 'It's like you're undressing me already.'
Cruzaram a festa, ela parou para conseguir um copo de água, gelo, limão. Ele agarrou um cubo de melancia que se transformou em sumo dentro da boca. Havia fumo, e fila para a casa de banho, e pessoas que tinham chegado da praia. Duas irmãs de bikini bebiam margueritas. Um ilustrador sóbrio falava com um diplomata ganzado. No corredor, onde a corrente de ar apagara as velas no chão, alguém mordia o pescoço de alguém.
Subiram para o terraço do prédio: um sofá, antenas de televisão, as pontes sonoras e iluminadas sobre o East River.
Ela inclinou-se no parapeito do terraço, virou-lhe as costas, disse: 'I think I've never made out with anyone in Brooklyn.' E bebeu a água, limpou a língua, estilhaçou uma pedra de gelo dentro da boca, produziu saliva com sabor a limão.
Ele disse-lhe: 'Water melon tongue', e a sua mão pressionou-lhe a curva onde as costas se despistam, puxou-a para si, a outra mão segurou-lhe a cara, o dedos entraram no cabelo, agarrou-a com mais força, e ela afastou as pernas, roçou a pele das coxas nas calças de ganga, o centro do seu corpo cedeu, um ombro inclinou-se, os lábios cresceram, a sua boca podia ter dito: 'Do something to me'.
Ele virou-a de costas e apanhou-lhe o cabelo na nuca com uma das mãos: firme, sem espaço de manobra. Com a outra mão desceu-lhe uma alça do vestido, usou um dedo para contornar a curva do ombro, descer pelo peito, sobrevoar o mamilo. Mordeu-lhe o pescoço, os músculos da nuca, deixou a marca dos dentes.
Ela disse: 'Do it already', e rodou sobre si mesma, a alça a meio do antebraço, a boca apontada, a urgência de ficar sem fôlego.
E depois beijaram-se.

19.1.09

Tarde, quase sempre....


Entras-me no pensamento enquanto olho o fumo do cigarro que sobe ao longo dum ténue raio de luz e se desfaz na penumbra da sala. Chegas acompanhada daquele perfume forte que te sai dos poros e que, como um fantasma de estimação me persegue para todo o lado com o unico objectivo de me recordar de ti e complicar ainda mais a vida. E, como sempre, reprimo a vontade de pegar no telefone e te gritar aos ouvidos o desejo necessário e urgente que me invade o corpo á tempo demais. Sei-te livre e disponivel. Mas não consigo confessar-te por palavras que sei exatamente a que cheira o teu corpo transpirado quando solitária deixas correr as mãos e os dedos pela pele quente. Porque não encontro forma de justificar a razão de te comparar com cada uma daquelas que me partilham e que quase nunca deixam mais que a breve intensidade de um extase. E sobretudo como não ser vulgar ao confessar-te que te desejo mais que qualquer outra, mesmo aquelas que conheces e a quem criticas por eventualmente terem “caído na minha teia”, como afirmas segura e certa de que contigo nunca seria assim.
Aprisiono a vóz mas não o calor que me amarra ás memórias daquilo que nunca tive e provávelmente nunca terei. Desculpo-me na tua incapacidade para me perceber teu prisioneiro sem que seja necessário dizer-to na cara. Não me atrevo sequer pensar que a distancia de ti a que me obrigas, é apenas e só, a tua forma de me sentir. E na minha incapacidade para te demonstrar que apesar de assim estarmos socialmente livres da má lingua costumeira, o nosso unico lugar compensador era socializarmo-nos um no corpo do outro.
O fumo do cigarro á muito desapareceu engolido pela pouca pela luz que passa atravéz do cortinado. Fica o teu perfume a pairar na sala vazia onde vagueia intruso, o teu fantasma. E a absoluta certeza que comecei a adiar-me no dia em que te conheci.