12.12.06

Rubem Fonseca


Extrato de "ELA E OUTRAS MULHERES "
ALICE
Nosso filho Gabriel, de catorze anos, era gago. Eu e minha mulher Celina já o havíamos levado a vários especialistas, mas a gagueira dele continuava.

Gabriel era estudioso e passava de ano em todas as matérias, menos em português, em que sempre ficava de recuperação. Conseguíamos um professor para lhe dar aulas particulares e assim mesmo ele passava com dificuldade.
Nas ocasiões em que o professor mudava, o que podia ocorrer quando Gabriel passava de ano, eu e Celina procurávamos o novo professor para falar das dificuldades do nosso filho. Nesse ano, quando marcamos a entrevista, verificamos que quem ia ensinar português ao Gabriel era uma professora, de nome Alice, que fora transferida de outra escola, uma mulher de aproximadamente quarenta anos, separada do marido, sem filhos.

A professora perguntou se Gabriel gostava de ler e minha mulher respondeu que ele detestava e se irritava quando o professor mandava ler um livro da bibliografia. A professora Alice disse que isso era comum, os jovens, com algumas exceções, não gostavam de ler.

Uns meses depois a professora Alice nos telefonou pedindo que fôssemos à escola. Ela nos recebeu gentilmente e disse que haviam sido realizadas as primeiras provas e que Gabriel tivera um desempenho abaixo de sofrível. Acrescentou que ele precisaria de aulas particulares. Minha mulher deu um suspiro, era ela quem tomava conta das finanças da família e conhecia melhor do que eu a nossa situação econômica. Eu sempre achei que Gabriel deveria estudar numa escola pública, mas Celina queria que ele freqüentasse o melhor colégio, cuja mensalidade era uma fortuna.

A professora Alice era uma mulher inteligente e devia ter percebido o nosso embaraço. Ou talvez não tivesse tido a sensibilidade de ler o nosso semblante, apenas notara pelas nossas roupas que nós não pertencíamos ao mesmo nível econômico e social dos outros pais que tinham filhos naquele colégio. Houve um instante em que percebi que a professora Alice olhara os sapatos de Celina, e as mulheres entendem de sapatos, e são capazes de descobrir, pelo sapato de uma mulher, o nível econômico-social a que ela pertence.

Depois de consultar uma agenda, a professora Alice disse que poderia dar as aulas particulares ao Gabriel sem cobrar por isso.

Eu e Celina alegamos, sem muita convicção, que não queríamos dar esse trabalho a ela, mas a professora Alice foi categórica e marcou para todas as terças e quintas-feiras à noite aulas particulares em sua casa.

Aquilo nos deixou aliviados, não apenas deixaríamos de pagar pelas aulas como elas não seriam realizadas em nosso pequeno e desconfortável apartamento.

Um mês mais tarde notei que Gabriel estava deitado no quarto lendo. Perguntei que livro era aquele e ele respondeu que lhe fora emprestado pela professora Alice. Ela é boa professora?, perguntei, e ele respondeu que ela era legal.

Contei para Celina o que acontecera. Ela não acreditou que Gabriel estivesse lendo um livro, disse que ele odiava livros. Acrescentei que era um livro do Machado de Assis e ela fez uma careta dizendo que quando mandavam ela ler Machado de Assis no colégio ela não conseguia e pedia a uma amiga para lhe dizer qual era a trama do livro, e acrescentou que Machado de Assis era um chato insuportável. Mais tarde, quando estávamos na cama, ela disse, essa professora Alice é uma feiticeira. Feiticeira do bem, acrescentou depois de uma pausa.

Mas a professora Alice era muito mais feiticeira do que supúnhamos. Além de ter tido uma boa nota na segunda prova e de ficar lendo diariamente, até mesmo deixando de ver o jogo de futebol na televisão, Gabriel parou de gaguejar.

Celina lembrou-se do médico que dissera que para curar a gagueira de Gabriel precisaria usar um tal de método holístico. Ele explicou o que era, escreveu num papel, que eu guardei. A gagueira, conforme escreveu o médico, só poderia ser curada através do holismo, que busca a integração dos aspectos físicos, emocionais, mentais do ser humano. Segundo o médico, nós não éramos apenas matéria física, nem somente consciência, nem unicamente emoções, éramos uma totalidade que precisa ser analisada em sua inteireza. O tratamento holístico custaria uma fortuna. Creio que ele não olhou os sapatos de Celina.

O certo é que Gabriel não gaguejava mais e ao comentar o assunto no escritório um colega me disse que isso era muito comum, um menino ou menina gaguejava até uma certa idade e de repente parava de gaguejar.

Gabriel não apenas falava com desembaraço, também deixara de ter o aspecto sorumbático de antes. Ter se curado da gagueira lhe fizera um grande bem. E também a Celina, que sentiu-se perdoada. Nós tivemos o Gabriel quando ela tinha dezesseis anos de idade e eu dezoito, ainda solteiros. E ela, que era muito católica, eu diria mesmo uma carola, acreditava que a deficiência de Gabriel tinha sido uma espécie de punição divina e sentia-se culpada.

Convidamos a professora Alice para jantar em nossa casa. Era uma pessoa agradável, inteligente e muito falante. Quem ficou muito calado durante o jantar foi o Gabriel, certamente com medo de gaguejar na frente da professora. Eu o provoquei várias vezes, mas ele respondia monossilabicamente.

Celina perguntou à professora se Gabriel ainda precisava daquelas aulas extras, explicou que não queríamos abusar da sua generosidade. Alice respondeu que ele estava indo muito bem, principalmente na parte de redação, pois passara a ler bastante, mas na gramática ainda havia algumas insuficiências.

Um dia recebi um telefonema de um comissário de menores chamado Lacerda, que disse que queria ter uma conversa reservada comigo. Pedi uma licença no escritório e marquei uma hora à tarde em que Celina estaria trabalhando. Lacerda ao chegar se identificou. Em seguida perguntou se eu conhecia a professora Alice Peçanha. Respondi que sim. Lacerda disse que fora ao colégio e tivera conhecimento de que o meu filho de catorze anos, Gabriel, estava tendo aulas particulares com ela, em sua casa, durante a noite. Respondi que sim. Ele então me disse que a professora Alice Peçanha fora obrigada a abandonar a escola onde ensinava anteriormente, em outra cidade, porque fora acusada de abusar sexualmente de um aluno de treze anos, a quem também dava aulas particulares, mas a acusação não fora devidamente comprovada.

Mulheres pedófilas, disse Lacerda, são raras, essa atração sexual de um adulto por crianças ocorre mais com homens. Então, com uma voz grave, disse que gostaria de falar com o meu filho, para preparar as informações que seriam enviadas ao juizado.

Assim que ele acabou de falar eu perguntei se uma mulher ter relações com um menino de catorze anos faria mal a ele. O comissário respondeu que o Estatuto da Criança e do Adolescente dizia que era crime submeter um adolescente, não importava o sexo, à exploração sexual. Meninos e meninas eram tratados igualmente perante a lei, se não se aceitava que um homem adulto tivesse relações sexuais com uma menina, o que chegava a ser considerado estupro presumido, também não se podia aceitar que uma mulher adulta tivesse relações sexuais com um menino. Disse que era dever deles, comissários, conforme a lei, garantir a inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, dos dois sexos. Lamentava muito, mas precisava ter uma conversa com o meu filho. Se confirmasse que a professora Alice abusava dele, ela seria processada de acordo com a lei.

Concordei com ele, pedi para me esperar que eu daria um pulo no colégio, que era próximo, e traria o meu filho para conversar com ele.

Quando o meu filho chegou o comissário disse que queria falar com ele sem a minha presença. Saí da sala e deixei os dois a sós.

O comissário Lacerda devia ser um homem meticuloso, pois ficou conversando com o meu filho quase duas horas. Depois abriu a porta da sala e me chamou. Disse que o meu filho lhe dissera que a professora Alice jamais tocara nele. E que, conforme a sua experiência em interrogar menores, ele não tinha dúvidas de que o meu filho dizia a verdade.

Antes de se despedir, lamentou o tempo que perdia fazendo investigações baseadas em informações falsas.

Ficamos calados na sala, eu e o meu filho, um sem olhar para o outro. Gabriel, depois de algum tempo, disse que seguira as minhas instruções, fizera exatamente o que eu mandara, tanto que o comissário acreditara nele. Respondi que ele agira bem. Gabriel disse que gostava da professora, que ela curara a sua gagueira, fizera ele gostar de ler, e que o que eles faziam na cama não era nenhum pecado. Respondi que o assunto estava encerrado, que a mãe dele não precisava saber de nada e que eu não queria saber de mais nada.

Gabriel disse que naquela noite tinha aula com a professora Alice, perguntou se devia ir. Eu respondi que sim, ele devia ir a todas as aulas na casa da professora Alice.

Gabriel me deu um abraço. E não falamos mais no assunto.

11.12.06

Hoje vi a minha rosa!!!

Julgava-me muito rico por ter uma flor única no mundo e, afinal só tenho uma rosa vulgar...
Foi então que apareceu uma raposa. - Olá, bom dia! disse a raposa.
- Olá, bom dia! - Respondeu delicadamente o princepezinho...
- Anda brincar comigo - pediu o princepezinho. Estou tão triste...
- Não posso ir brincar contigo - disse a raposa. - Ainda ninguém me cativou...
- Ando à procura dos homens - disse o principezinho. - O que é que "estar preso" quer dizer?
- Os homens têm espingardas e passam o tempo a caçar - disse a raposa. - É uma grande maçada! E também fazem criação de galinhas! Aliás, na minha opinião, é a única coisa interessante que eles têm. Andas à procura de galinhas?

- Não - disse o principezinho. Ando à procura de amigos. O que é que "estar preso" quer dizer?

- É a única coisa que toda a gente se esqueceu - disse a raposa. – Quer dizer que se está ligado a alguém, que se criaram laços com alguém.

- Laços?

- Sim, laços - disse a raposa. - Ora vê:
-Por enquanto, para mim, tu não és senão um rapazinho perfeitamente igual a outros cem mil rapazinhos. E eu não preciso de ti. E tu também não precisas de mim. Por enquanto, para ti, eu não sou senão uma raposa igual a outras cem mil raposas. Mas, se tu me prenderes a ti, passamos a precisar um do outro. Passas a ser único no mundo para mim. E, para ti, eu também passo a ser única no mundo...
- Parece-me que estou a começar a perceber - disse o principezinho. – Sabes, há uma certa flor... tenho a impressão que estou presa a ela...
- É bem possivel - disse a raposa. - Vê-se cada coisa cá na Terra... tenho uma vida terrivelmente monótona... Mas se tu me cativares, a minha vida fica cheia se Sol. Estás a ver, ali adiante, aqueles campos de trigo? ... não me fazem lembrar de nada. É uma triste coisa! Mas os teus cabelos são da cor do ouro. Então quando eu estiver cativada por ti, vai ser maravilhoso! Como o trigo é dourado, há-de fazer-me lembrar de ti... - Só conhecemos as coisas que cativamos -
continuou a raposa. - Os homens, agora já não tem tempo para conhecer nada. Compram as coisas feitas nos vendedores. Mas como não há vendedores de amigos, os homens já não tem amigos. Se queres um amigo, cativa-me!
- E o que é preciso fazer? - Perguntou o princepezinho.
- É preciso ter muita paciência. Primeiro, sentas-te um bocadinho afastado de mim, assim em cima da relva. Eu olho para ti pelo canto do olho e tu não dizes nada. A linguagem é uma fonte de mal-entendidos. Mas todos os dias te podes sentar mais perto... Se vieres sempre ás quatro horas, ás três já eu começo a ser feliz...
Foi assim que o princepesinho cativou a raposa. E quando chegou a hora da despedida:
- Ai! - exclamou a raposa - Ai que me vou pôr a chorar...
... - Então não ganhaste nada com isso!
- Ai isso é que ganhei! - disse a raposa. - Por causa da cor do trigo... Depois acrescentou:
- Anda vai ver outra vez as rosas. Vais perceber que a tua é única no mundo.
O princepesinho lá foi... - Vocês não são nada, disse-lhes ele. - Não há ninguém preso a vocês... - não se pode morrer por vocês... A minha rosa sozinha vale mais do que vocês todas juntar, porque foi a ela que eu reguei, que eu abriguei... Porque foi a ela que eu ouvi queixar-se, gabar-se e até, ás vezes calar-se. Porque ela é a minha rosa.
E então voltou para ao pé da raposa e disse, -
Adeus...
- Adeus - disse a raposa. - vou-te contar o tal segredo. É muito simples:
- Só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos... Foi o tempo que tu perdes-te com a tua rosa que tornou a tua rosa tão importante. - Os homens já se esqueceram desta verdade - Mas tu não te deves esquecer dela. Ficas responsável para todo o sempre por aquilo que está preso a ti. Tu és responsável pela tua rosa...

16.11.06

Desafio-te...


"Ama-me quando eu menos merecer,
......pois é quando eu mais vou precisar!"

15.11.06

O que não sei!!

Sei tanta coisa da vida!
Sei lêr nas nuvens do céu a chegada da tempestade!
Eu sei até porque os homens se odeiam e matam sem razão aparente!
Tal como sei lêr as ondas do mar em dias de tempestade!
E como sei, lêr nos olhos daquela criança com fome, a raiva contida nas recusas de um pão!

Só gostaria de entender e talvêz nunca irei sabêr, porque razão não estás aqui quando sinto cravado no peito, a dôr da nossa ausência!!

7.11.06

Proposta


Texto de Edson Marques:

"Meu território é o da Liberdade Absoluta. Eu cheguei para semear discórdia, quebrar paradigmas, espicaçar padrões. Não trago nenhuma resposta: só pretendo fazer perguntas. Quero mexer na cabeça dos que me ouvem, por fora e por dentro, voluptuosamente! Quero fazer um cafuné maluco e delicioso nos neurônios enrolados de quem me dê atenção. Passar um pente fino nos caracóis da tradição. Porque, assim como Ele, não vim trazer a Paz. Nem venho propor sossego. Eu convido a ter coragem. Eu convido a um salto profundo."

Alguem aceita?

28.10.06

Amanha quero acordar assim!

Maria Teresa Horta

Sem ti

Não quero viver sem ti
mais nenhum tempo.

Nem sequer um segundo

do teu sono.

Encostar-me toda a ti

eu não invento.

Tu és a minha vida o tempo todo

Hoje adormeço assim!!!

Zélia Duncan

Não tem volta

Se você vai por muito tempo
você nunca volta.
Você retorna,
você contorna
mas não tem volta
a estrada te sopra pro alto
pra outro lado
enquanto
aquele tempo
vai mudando.
Aí, de quando
em quando você lembra
aquele beijo,
aquele medomas
você sabe
que tudo ficou antigo
e você não volta
nem com escolta
nem amarrado
porque o passado
já te perdeu
e o perigo
muda mesmo de endereço.
Não existe pretexto.
O dia mudou
o carteiro não veio
o principio é o meio
e você retorna
mas não tem volta.

Hoje acordei assim!

Florbela Espanca

Se tu viesses ver-me...


Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços...

Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca... o eco dos teus passos...
O teu riso de fonte... os teus abraços...
Os teus beijos... a tua mão na minha...

Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E é de seda vermelha e canta e ri

E é como um cravo ao sol a minha boca...
Quando os olhos se me cerram de desejo...
E os meus braços se estendem para ti...

20.10.06

Tarde demais!



"Por vezes dizemos as coisas tarde demais. Lembramo-nos do que poderíamos ter dito ao outro quando o perdemos ou quando estamos prestes a perdê-lo. Porque nos custa tanto dizer o que podemos dizer no tempo certo?"

19.10.06

Vazio...


Paixão, ainda és a minha princesa e vou continuar a sentir a falta. Principalmente daquilo que sentia quando estava contigo. A serenidade absoluta. A certeza do que queria e do que era dispensável. Parece cola daquela transparente que se vende em tubinhos tamanho miniatura. Não te consigo arrancar daqui. Falta-me quase tudo em mim desde que me desisti de te procurar. Falta-me o cheiro, o riso, a lucidêz. As memórias de ti têm cores e sons e afagos de carinho impossíveis até agora de sentir com mais alguem. A vontade irreprimível de te escrever. Os sentidos ao rubro acesos pelas tuas mãos na minha pele. Os doces minutos pós-sexo que quase sempre terminavam no recomeço. A viagem de regresso que era apenas o inicio da próxima. As ultimas horas antes de cada encontro eram já esse encontro e as seguintes eram a planificação de um outro. Porque sabes, nós nunca terminavamos nada. Tudo tinha continuidade. Nunca me habituei a ter alguem tão perto que me sentisse sem ar para respirar. Sempre desejei amar á distancia certa, o que que significa apenas que troco fácilmente duas ou três horas de compensadora intimidade a dois, por uma noite inteira a dormir e acordar agarrado a alguem. Hoje sinto a tua falta nesta solidão mal acompanhada e pior resolvida. Não sei sinceramente se é de ti que sinto falta ou de mim quando te tinha. Sei que sinto falta.

16.10.06

Liberdade!


Porque me parece MUITO importante e actual, transcrevo este artigo publicado no JN de Portugal e que a minha atenta amiga Maria http://romadevidro.blogspot.com/ enviou!!
Para se ser livre é preciso coragem, muita coragem. E, desde logo, coragem para uma escolha fundamental, a do respeito por si mesmo. Porque é bem mais fácil sobreviver acobardando-se do que escolher viver livremente. Os locais de trabalho, a vida política, a mera existência social, estão (basta olhar em volta) cheios de cobardes de sucesso. O jornalismo não é, e porque haveria de ser?, excepção, pois a pusilanimidade e a cumplicidade dão menos incómodos e rendem mais que a dignidade. Mas, enquanto na vida politica e social, o preço da liberdade é a solidão (as águias, como Nietzsche escreve, voam solitárias; os corvos andam e grasnam em bandos), no jornalismo o preço é às vezes a própria vida. Anna Politkovskaya escolheu a liberdade e pagou com a vida.

Mas a Rússia é um lugar longínquo e entre nós não se dão tiros na nuca a jornalistas, na pior das hipóteses despedem-se. É, por isso, fácil chorar por Anna Polit-kovs-kaya, basta só um pouco de falta de pudor. Assim, os jornais portugueses (e do mundo inteiro, acrescentamos nós) encheram-se nos últimos dias de grasnidos e lágrimas de crocodilo vertidas por gente que, na sua própria vida profissional, escolhe o salário do medo. Alguns conheço-os eu e, como no soneto de Arvers, hão-de ler-me e perguntar "De quem falará ele?".
Manuel António Pina
In: J. N. 2006.10.10

6.10.06

A verdade (copy paste)


Pensara em dizer-lho um milhão de vezes; a vontade de lhe vomitar em cima o que acontecera naquela noite, assaltava-o nos momentos mais estranhos: enquanto ela lia uma revista sentada na sanita, cortava as unhas dos pés ou pintava as das mãos, ou enquanto desembaraçava o cabelo em frente ao espelho. Era como se a insignificância dos rituais diários dela pudesse, de alguma forma, tornar pequeno e de somenos aquilo que ele lhe queria revelar, como se fosse algo igualmente mecânico e descartável, venha daí outra coisa qualquer e sigamos para bingo.
Uma vez, pensara em dizer-lho enquanto ela se depilava numa operação demorada de cera a frio. Olhava-a, febril (ela, concentrada que estava naquele timing perfeito do espalha-arranca), antevendo o momento em que lhe despejaria em cima o seu balde de revelações sujas, qual porteira distraída. O que ele não supunha era que ela, careca de saber da angústia culposa que lhe roía as noites, se concentrava sempre um bocadinho mais nas unhas, nos pés, nos cabelos e se mostrava totalmente indisponível para a abébia que ele queria que ela lhe desse. Se entrava na casa de banho, ela saía de rajada em busca de um creme esquecido e, se se sentava ao seu lado na cama, a ela, assomava-lhe um sono súbito que lhe toldava a percepção. Outras vezes, quando ele estava quase, quase, lembras-te daquela noite em que eu..., ela atalhava, ceifando-lhe as palavras tossidas por entre suores frios, passas-me o papel higiénico, por favor?, ao que se seguia uma reflexão sobre a pasta de papel e o seu peso nas indústrias poluidoras. E ele lá ia adiando a confissão, adiando uma e outra vez, aquele menir que lhe esmagava o esterno sem quase o deixar respirar.
A hipótese de não lho dizer de todo nunca se colocara, pois ele era daqueles que cultivava a verdade a qualquer custo, que a mimava e alimentava como a uma filha ou a uma planta, gerada que fora no seio dos pergaminhos familiares. Assapado no totalitarismo do conceito de verdade como sendo algo de absoluto e válido por si só, escapou-lhe a evidência: de que a dita também pode correr subterrânea, como um lençol freático que segue manso e não deve vir ao de cima nem, muito menos, jorrar tipo geiser, sob pena de inundação diluviana dos sentimentos e de todos os seus anexos. Não intuiu, ele, que alturas há em que a verdade, para o ser, basta ser pressentida, sem precisão de se exibir nua num striptease de perna aberta à volta de um varão, em exposição pornográfica e a arfar sobre os clientes os seus sonhos distantes; e provou assim desconhecer o poder de devastação nuclear de uma verdade que se queria calada - um poder, destruidor não apenas dela própria, mas também de todas as outras verdades que a vida deles transportava em compartimentos interiores e malas de viagem e que, num segundo, se desfizeram em poeira atómica.
Ela tentou dizer-lho: a cada vez que desatava a discorrer sobre o peso do papel higiénico no meio ambiente ela estava a avisá-lo, a enviar-lhe sinais para que guardasse as palavras bem embrulhadinhas dentro dele, para que as dobrasse em quatro, depois em oito e por fim em dezasseis, para que fizesse com elas um quantos queres, um avião, um barquinho ou uma bola de cuspo, e as atirasse ao ar ou lhes puxasse fogo, que ela não as queria. Só que, quanto mais ela fugia, mais ele corria atrás dela, desalmado, a desfraldar-lhe a história daquela noite em estandarte, um vozeirão épico de valquíria a querer sair-lhe do peito e ela sempre a tapar os ouvidos, lailaraiquenãoqueronemsaber.
Que burro fora, ele. Sempre com a boca cheia de verdade, para aqui e para acolá: sobrevalorização nítida. Falta de senso. De sentido das proporções. De instinto de sobrevivência amoroso. Não teriam sido as fugas dela mais do que suficientes para o redimir? Não poderia ele ter visto, na mímica perfeita do silêncio dela (um silêncio atulhado de futilidades) o perdão e a fuga em frente, o beijo do esquecimento, a passagem secreta para os dias seguintes? Poderia... mas não o fez.
Um dia, enquanto ela se secava à pressa de um duche tardio, ele cercou-a e disparou sem dó nem piedade, lembras-te daquela noite em que eu... E ela, apanhada de surpresa entre a água que lhe escorria e a procura dos chinelos de quarto, não foi a tempo de sacar assunto e viu-se obrigada a engolir a verdade com todos os acompanhamentos, batata frita, arroz e salada, uma anoréctica forçada ao alimento. Uma verdade de merda, diga-se: estúpida, como tudo o que é fortuito, e inútil, como tudo o que nada significa de facto.
Pôs-lhe as malas à porta e nunca mais se viram.
Epílogo.
Ele sentiu-se culpado, mas nunca percebeu que o crime maior que praticara não fora o da traição mas sim o da soberba, ao arrogar-se uma superioridade moral sobre ela (que não detinha): ele contara-lhe a verdade daquela noite vazia, não porque achasse que ela merecia sabê-la, mas por uma questão de princípio; não porque a respeitasse acima de todas as coisas, mas porque não se podia permitir perder o respeito que sentia por si próprio.
Ela, por sua vez, não desarvorou em fúrias de mulher enganada nem em gritarias de culebrón (coisa que nem lhe faria o género); passou, apenas, a olhá-lo como o que ele realmente fora: um idiota perdulário, um pobre esbanjador, que deitara fora tanto por tão pouco. No fundo, limitou-se a achar que ele (não fora aquela rectidão transpirada por todos os seus poros, sempre tão honestos e verticais), poderia mas era ter enfiado a puta da verdade em vários outros sítios, que não entre eles os dois. Básicamente.
Copiado de um texto anónimo recebido por email



5.10.06

A Paz!


Ontem foi o nosso dia da paz... No espirito globalizante dos tempos modernos impressionou-me este texto que retiro do Mulheres e Deusas (link na direita) e que fala exactamente da paz que não sabemos preservar e do caminho que estamos a percorrer como humanidade.

“Como é que, só no século vinte, os seres humanos tenham morto para cima de 100 milhões dos seus semelhantes humanos? Seres humanos a inflingirem a outros sofrimento de tal magnitude ultrapassa tudo o que possas imaginar. E isso sem levar em conta a violência mental, emocional e física, a tortura, a dor e a crueldade que eles continuam a infligir-se uns aos outrs assim como a outros seres viventes numa base diária.

Agem desta maneira por estarem em contacto com o seu estado natural, a alegria da vida interior? Claro que não. Só pessoas que estejam em estado profundamente negativo, que se sintam muito mal, criariam semelhante realidade como reflexo do que sentem. Agora estão empenhadas na destruição da Natureza e do Planeta que as sustenta. Inacreditável, mas verdade. A espécie humana está perigosamente louca e muito doente.” (...)

In “O PODER DO AGORA” de Eckhart Tolle

A Outra Margem


Uns anos atrás, amigos mais chegados, martelavam-me na cabeça sempre que me viam acompanhado por uma nova mulher. Embirravam solenemente com a facilidade com que dava corda a qualquer uma que fosse capaz de debater ou mesmo apenas concordar acerca de qualquer tema menos fútil, mais que quinze minutos sem perguntar se era casado, comprometido ou solteiro. Sempre preferi a companhia de mulheres á dos homens e por essa razão buscava incessantemente na alma femenina a inteligência capaz de me adomar a um sofá á volta de um livro ou a uma cadeira de cinema ou teatro e partilhar assim uma mesma visão que no final daria umas horas de compensador debate intelectual muitas vezes como aquecimento para a inevitável, ou não, contenda fisíca.

A natural quebra das convicções marialvas e donjuaninas, o que traduzido de forma clara quer dizer a idade, acabou arrefecendo este afã de viajante e explorador. Agora contento-me em buscar almas tão perdidas quanto a minha e por isso mais capazes de entender aquilo que nem eu sou capaz de perceber.

No acesso a cada mulher existe sempre como que um rio que tem de se transpôr. Da corrente desse rio depende a facilidade de chegar até lá ou mesmo o grau de desafio que representa a intenção. Já lutei com grandiosas ondas e já fui levado simplesmente ao colo. Claro que algumas vezes desisti mesmo antes de começar e em muitos casos afoguei-me. Ás vezes com a margem á vista.

Vem esta prosa divagante e molhada, a propósito de uma prespectiva de afogamento que se avizinha. A corrente altera-se a cada maré e transporta em cada enchente um sem numero de escolhos que impedem um percurso na direção correta. A força das vagas tem-me empurrado em cada tentativa para o ponto de partida. Presistentemente atiro-me de novo ao charco e, olhos e mente no objectivo, luto contra as ondas e a corrente. Em vão até agora. Acabo sempre esfalfado e esgotado na mesma praia.
Da outra margem chegam palavras de incentivo que ainda não produziram os efeitos desejados apesar da sincerdade. O unico efeito claro é o de me obrigarem sempre a retomar a luta e prometer mim mesmo a cada dia não desistir na esperança de uma bonança que permita chegar lá mas as forças começam a faltar.
Para terminar onde iniciei, falta apenas afirmar que aqueles que á uns anos quase me batiam de cada novo investimento, são agora aqueles que me oferecem colete salva-vidas e incentivam a atirar-me de cabeça para a outra margem. Vá lá um homem entender os amigos.

29.9.06

Ausência


Não tenho a certeza que eu seja a pessoa certa para ti, talvêz porque não consegui nunca perceber o que é isso da pessoa certa. Sei que a pessoa certa não tem necessariamente de ser sempre a mais inteligente, a que escreve as mais belas cartas de amor, a que tem apenas sorrisos no final de cada dia ou a que planeia viagens ao outro lado do mundo. Não tenho a certeza que sou a pessoa certa para ti, porque apesar de querer muito ficar contigo nunca tive a coragem de o dizer-te olhos nos olhos. Mas eu sei de saber confirmado que ser o homem da tua vida seria realizar-me. Porque me fazes falta e principalmente porque a tua ausência de mim me dói. Muito.

Tive medo e ansiedade e depois pressa em conquistar-te, porque sei com quem desejo passar o resto da minha vida e como ninguem sabe quanto tempo é o resto desse tempo, corri para depois travar neste impasse que a cada dia me mata. Mas as certezas essas nunca desapareceram. Antes pelo contrário. Aumentaram.

Queria abraçar-te e entrar em ti com a surpresa da paixão da primeira vêz e com o desejo mal contido de todas as seguintes. Queria ouvir em cada final de dia a música da tua vóz e cantar-te baixinho aquela canção igual a ti, antes de adormeceres. Queria ler-te alto os poemas daquele livro que me ofereceste e respeitar os necessários silêncios vindos de dentro das cicratizes que só o tempo poderá apagar em nós.

Queria muito ser o teu amigo e confidente. Queria muito ouvir-te falar das tuas angustias e alegrias, das muitas vidas que viveste e dos mundos que te deram aquilo que és. Da troca de experiências, dos arrependimentos e das nossas loucuras e muitos erros. Queria olhar com os teus olhos aquele mar que ambos gostamos. Queria ouvir contigos os risos inocentes daqueles que amamos mais que a própria vida, correndo livres na areia da praia.

Posso não ser a pessoa mais coerente ou corajosa do mundo, mas sou de certeza uma pessoa a quem conquistás-te completamente. Posso não ser um incurável romântico que te cobre de flores ou corre para os teus braços em cada sms, mas sou de certeza o homem que é capaz de te puxar o edredon para os ombros a meio da noite para não te constipares ou suportar as tuas birras no final de cada dia mau.

Não te disse tantas vezes quantas devia o quanto te quero, mas sinto cada dia com mais certeza que te conseguiria amar para sempre. Não sou aquele que te procura todos os momentos mas sou de absoluta certeza aquele que nunca te esquece em cada noite.

És muito importante na minha vida. Reconhece-lo não me foi nem é dificil. Falta-me o golpe de asa. Falta-me ser eu. Falta-me ter a certeza de ser o homem que esperas que seja apesar da subjectividade. Falta-me a certeza que necessitas de mim e que serei capaz de te dar tanto quanto julgo ser capaz. Falta-me a certeza da outra metade que sou eu.

26.9.06

Fragmentos


Os dias correm como que em carrocel desgovernado. As certezas são quase nenhumas e a cada hora menos ainda. O espiral frenético das incertezas tomou conta dos momentos e o acordar tornou-se tão doloroso como as antecedentes horas de insónia em que se mergulha antes de adormecer.

Tudo o que ficou atrás deixou de fazer algum sentido e o que vem aí mete medo. Em cada acto de viver sente-se a opressão do sentido e do rumo da vida. Em cada passo oprime-se a decisão de ir á frente na prespectiva eminente do abismo.

Quem vai olhar com complacência aquele que falha sistemáticamente?. Que corda pode salvar alguem que se perdeu nas contradições da vida? A lançada por quem ainda acredita na irreversabilidade do destino ou a da forca?

Não se sabe morrer sózinho por mais treino que se tenha. O tempo parou no tempo de tantos erros carregados nas costas. Falta a luz e a inteligência ou a lucidêz. Faltam sobretudo certezas de se poder voltar a errar sem aumentar a dívida para com todos os que reclamam. Quantas créditos mais tem a vida de um ser humano quando a estrada chega ao fim?. Como se descobre qual o momento certo para mudar e qual o rumo?.

Agoniza-se na prespectiva de mais surprezas que á muito deixaram de o ser. Coloca-se um ponto final na curiosidade. Findada a capacidade de experimentar e de mentir mesmo sabendo-se que toda a gente mente. Parco consolo apesar de ser certo que contrariar isto é sustentar a grande mentira de toda a humanidade. Mente-se no amor, no trabalho, na amizade e na capacidade esgotada e já inexistente de dar mais. Sobretudo mente-se a nós próprios para não ter de auto-justificar as próprias insuficiências. Minimizar esta caracteristica inata é apenas um paleativo porque as mentiras dos outros só nos dizem respeito se criadas ou inventadas acerca de nós. Apesar de em conciência se saber que somos em grande parte responsáveis por elas porque as ajudamos a nascer atravéz da nossa própria mentira de vida.

Quem não encara a sua própria verdade, não pode esperar que não lhe mintam. Isso mesmo. Encarar a verdade e fazer dela o modus vivendi da sociabilidade é uma das saídas possíveis. Despir os fantasmas de serenidade e encarar de forma clara as angustias e as depressões afogadas em orgias de tudo e mais alguma coisa coisa desde que sirvam para esquecer. Invocar espiritos renegados e esquecidos até que ganhem vida. Abrir as portas do armário e colocar na janela todos os esqueletos guardados ao longo da vida. Para que os outros não se limitem a falar do que julgam saber ou daquilo que querem saber e os interroguem para memória presente e futura e julguem com verdade. Fantasmas não mentem.

Para que acabem as perguntas que não tinham o direito de fazer dado que não existem respostas fáceis para questões tão complexas como a coerência de um homem. Para que finalmente se encarem os factos como eles são e não apenas através da perspectiva redutora do próprio umbigo. Com verdades limpas e mentiras claras.

25.9.06

Maputo - Seduções I


Por muita carência que se transporte no corpo e na alma um homem nunca está devidamente municiado para uma cena de sedução quando visita certos locais. Por exemplo na oficina de automóveis entre oleos mal cheirosos e fatos macaco sebentos, jamais passaria pela cabeça de um mortal dar de olhos atrás do balcão das peças com um par de faróis grandes e brilhantes emoldurados por um rosto fabuloso de pele chocolate e lábios grossos a encimar um busto mais que meio descoberto de cortar respiração de tanta sensualidade. Mas acontece. E que fazer num momento desses senão tocar a reunir as tropas, respirar fundo e atamancar uma estratégia de ultima hora que possa conduzir aquela barco a praia segura.
Ultrapassado o factor surpresa que normalmente deixa um pobre macho meio desarmado, passa-se á ofensiva que já dizem os experts nas coisa do futebol, é a melhor defesa. E assume-se uma posição em campo que demonstre de forma clara á femea desafiante que já percebemos o alcance daquela investida e não estamos ali para ser provocados sem ripostar.
Claro que a aproximação se faz atravéz da complexa rede de códigos sinaléticos emitidos por olhares implicitamente questionadores de onde tens andado que nunca te tinha visto? ou ainda mais claro podes aguardar que já te apanho o numero do cell ou um redutoramente conclusivo vai ser na tua flat ou lá na alcatifa do T1?

Depois de um complicado jogo de passos por entre diferenciais, motores e caixas de velocidade espalhados pelo pavimento, tenta-se vencer o labirintico espaço que nos separa fisicamente do balcão e sem nunca desviar por mais que breves segundos os olhos do objectivo, encosta-se o tronco ao balcão e continua-se o jogo agora num já quase corpo a corpo.
Sem muito mais para dizer coloca-se um ar meio desesperado e atira-se com será que vai demorar muito a concluirem a reparação do meu chasso? Ao que ela atrevidamente replica com um explicito espero que apenas depois de receber o seu convite para jantar. Aqui já não existe forma de voltar atrás e uma mão répticiamente levada ao bolso da camisa deixa no balcão um cartão de visita que rápidamente é escondido num qualquer local da vestimenta que guarda aquela corpo de deusa.
Agora resta esperar pela chamada com a certeza absoluta de experiência feita, que o velho Nókia vai cantar nas próximas horas e que a balconista das peças vai de certeza cumprir todas as promessas feitas naqueles breves instantes em que apenas com os olhos ofereceu todos os imensos tesouros e mistérios que são o seu corpo e o espirito livre que é o grande legado genético que esta Africa, cada dia mais misteriosa e fascinante, deixou aos seus filhos.

21.9.06

História com moral

Lucília negra clara de Inhambane, de cima dos seus fogosos 30 aninhos usava saia curtinha, travada e apertadinha, tissagens longas e marrabentava as roliças ancas como onda do mar. Indiferente e altiva, passeva o bombaleante corpo entre as diversas salas da repartição segura do seguro valor daquelas curvas perfeitas, no fundo o unico bem material que possuía.
Jossias, ronga atrevido, vivido e experiente, travava os impulsos dentro das calças lançando olhares famintos nas ancas falantes de Lucília que, jurava ele, lhe chamavam de cada vez que ela se passeava frente á sua secretária. Sofrimento, chamava ele áquela visão diária, ali tão perto e ao mesmo tempo a cada dia mais inatingível.

Celeste negra escura de Mueda, redonda toda ela, carapinha rebelde, mais rouge que pele, mais baton que lábios, deixava transparecer sem sequer disfarçar o intenso desejo que Jossias lhe despertava quando lhe olhava implorante. Sentada frente áquele pedaço de pecado, despia-o várias vezes ao dia com os olhos, enquanto lhe imaginava o corpo de macho colado ao seu. Suspirava ao mesmo tempo que lhe procurava os olhos ou subia prepositadamente a saia deixando á mostra as anafadas coxas que ele parecia nem querer olhar.

Celeste suspirava e despia mentalmente Jossias que cegava parcialmente a cada investida enquanto Jossias sonhava com as ancas dançantes de Lucilia que lhas negava em cada avanço. Assim se escorriam no tempo os dias naquela sala de trabalho, numa atmosfera cada vêz mais tensa de mal disfarçados desejos reprimidos e ciúmes, testemunhados pelos olhares vigilantes de Lucas o chefe de repartição.

Jossias compensava de forma solitária e frequente aquele sofrimento escaldante na intimidade do arquivo morto, na mal conseguida tentativa de se aliviar de tanto volume e tão tentadoras visões. E foi aí que Celeste o encontrou uma tarde manejando o objecto fulcral dos seus calores e de tantos suores infrutíferos. E foi aí que depois de trancar a porta se ajoelhou e se aninhou entre as suas pernas como em súplica:
- É hoje Jossias...

Jossias negou a boca da negra Celeste e instintivamente repeliu-a, não porque não desesperá-se por um alivio momentaneo mas muito porque as ancas marrabentosas de Lucilia não lhe saiam de dentro como espinha cravada na garganta. Afogueado saíu apressado deixando atrás de si um par de joelhos colados ao sujo soalho e duas lágrimas a correrem na face de Celeste.

Lucas, o vigilante chefe de repartição ainda o viu passar descomposto tentando desajeitadamente fechar o zip, quase correndo em direção ao WC. Ali concluíria o alivio inacabado, moendo a raiva de imaginar as ancas roliças de Lucilia rebolando entre as mãos ásperas de Lucas enquanto a imagem das duas lágrimas de Celeste lhe escoriam ainda na alma frustrada…

Moral da história:

Mais vale uma Celeste gordinha de joelhos no arquivo morto, que uma Lucília gingona, nas horas extras sentada na secretária do chefe Lucas.

8.9.06

Afectos, ou aquela dor que vai moendo...


Desalento,
é abrir cem vezes por dia a caixa de email e, apesar de ela saber que aquele post no blogue é exclusivamente para ela, ainda não ter reagido nem sequer com um.... deixa-me em paz!!!

Afectos, ou a falta de...


Hoje,
talvez porque o dia acordou cinzento e triste, trocaria de bom grado esta rotineira monotonia pela macia almofada que é o teu peito... e ainda ousaria pedir-te que te mantivesses silenciosamente submissa para não têr de te justificar ausências injustificáveis.

23.8.06

Porque esperas?



Porque me dizes que esperavas mais de mim?
Porquê esperar algo de alguem que nada tem?
Porque não racionalizas enquanto esperas,
Aquilo que podias ter dado a mais,
Esperando menos.

Não quero mais obrigações.
Não quero dar mais nada, dei tudo quanto tinha, restou nada

Nem receber, recebi tudo quanto me deviam.
Paixão, sexo e tesão não se trocam, vivem-se.
Mãos, linguas e corpos transpirados não se repartem, oferececem-se.
Amor, carinho e atenção não se exigem, merecem-se.

De ti quero apenas a distancia entre o silencio e o olhar.
Nada de palavras e cobranças fisicas ou morais.
Melhor ainda,
Porque sou imoral tal como dizes
Quero a estrada livre para ir e voltar.
Sem prévio aviso. Quando o corpo me pedir o teu.

Tal como o predador da noite
Quero a cancela aberta, escancarada.
O salvo conduto para o abismo de onde não merecemos sair.

Mas por favôr...
Não me exijas nada em troca.

11.8.06

Renuncia!!


Paixão,
Apesar das horas que passo na busca de respostas, sei que não tem de existir sempre uma teoria ou explicação metafisica para tudo o que acontece á nossa volta.
E por mim que nunca me separo interiormente de ti, nem a explicação para esse facto me preocupa sobremaneira. Porque a vida me ensinou que momentos vividos com grande intensidade se vão refletir nos todos momentos seguintes da nossas vidas. E a forma intensa como me obrigas-te a reconhecer-te importante faz agora de mim um militante das tua causas, que mais não são do que aquelas que toda a vida persegui e nunca logrei concretizar.
E não quero mais encontrar explicações. Quero-te apenas.

13.7.06

HIV-SIDA


Porque muitos lhes conhecemos os rostos. Porque os sabemos algozes, que por terem sido vitimas se transformaram numa das armas mais assassinas que povoam a noite e os dias no nosso mundo. Porque é tempo de começarmos a inverter os papéis. Não temos culpa de um dia numa esquina da vida alguem os tenha infectado. Poderão estas palavras parecer pouco polidas e ainda menos corretas. Sabemos no entanto de muitos casos de portadore(a)s de HIV que no dia a dia continuam a dessiminar o virús a vitimas indefesas. Lemos, vimos e ouvimos todos os dias os nossos amigos, familiares e conhecidos a partirem e os numeros da morte a aumentarem. Cada dia mais jovens. Cada dia com maior sofrimento. Chegou a hora de chamar os assassinos pelos nomes.


ALERTA

Grita-lhes para que acordem,
Chama-lhes nomes feios, ofensivos,
Engravida-lhes os timpanos com abjectos palavrões,
Obriga-os a pensar no mal que semeiam á sua volta.

Ele(a)s são os abutres dos sonhos.
Aquele(a)s que matam, destroem e enganam.
E de uma de forma mórbida, fria e lúcida,
Percorrem a noite na procura de novas vitimas.

Sabem-se audazes, sem medo da morte,
Nada têm a perder porque tudo já perderam.
Enfrentam friamente a vitima com olhos sedutores,
E palavras doces, falsas e urgentes.

Amam sofregamente, oferecem-se sem preço
Deleitam-se e extasiam-se nos corpos das vitimas,
Deixam nas entranhas e no sangue o virús fatal
Da morte anunciada, sem data marcada.

Corta-lhes a estrada. Fá-los parar.

Porque nas picadas da vida,
Exige-se justiça pelas vitimas.

6.7.06

Encruzilhadas

“Apenas existem duas frustrações na vida. Uma é não conseguir nunca encontrar aquele caminho. Outra... é conseguir..”

Confusos...??? eu vou tentar explicar...
Sentes-te mal com tudo aquilo que conseguiste até hoje. Mulheres certas que deixás-te atrás, mulheres erradas que carregas nas costas, emprego chato, prespectivas profissionais nulas, amigos hopócritas.... de repente, ao virar da esquina, num cinema, num bar ou mesmo num chat de internet, algo acontece e abana a pacatez dessa vivência e te leva a esfregar as mãos nesse comum gesto de “desta é que vai”.
Tudo se transforma de uma hora para a outra. As rotinas ficam adiadas, renasce a vontade de lutar e condicionas tudo á prespectiva de um novo momento em que retornas aquele outro. E esses momentos de extase repetem-se seja numa mensagem, numa chamada telefónica carregada de promessas ou mesmo num breve encontro em que tudo se reconfirma e afirma.
Inevitávelmente tudo evolue e ao clik do primeiro momento e á adrenalina dos seguintes, segue-se a certeza confirmada que desta vez estás no caminho certo. Traças essa estrada em função de ti e maquinalmente projectas o futuro, renegando sempre o passado recente mofo e amorfo. E aí, começa exatamente o caminho descendente embora muitas vezes não seja possível identificar de imediato qual o sentido da viagem.
Fazes-te á estrada de bandeira desflardada e nem reparas que aos poucos o vento a vai rasgando. Nem olhas atrás para verificar as vitimas que deixaste tombadas no solo. Ouves-lhes os gritos mas confundes as vozes. No horizonte apenas poderá haver planicies verdes de campos de girassol. As pedras no caminho são apenas precalços. Evitas-las sem as olhar. Aceleras sem hesitação rumo ao futuro imediato porque a urgência assim o determina.
Atingida a meta e carregada a bagagem das certezas incontestáveis, espraias-te na lanzeira das areias douradas e nas crenças absolutas da mudança. Mas a viagem é como uma plantação de delicadas flores. Requer cuidados intensivos cada minuto. Ao minimo fechar de olhos esvai-se o viço, murcha a vontade e a verdade já não é tão verdade assim. Os planos pouco sólidos concebidos na urgência da mudança, são assim mesmo. Pouco sólidos e demasiado efémeros.
E um dia em que a nova viagem já tem mil momentos apenas bons para recordar, descobres a bandeira que é já apenas mastro e pano rasgado sem sentido, e as vitimas silenciosas te olham de longe com ar de indisfarçavel gozo esperando apenas que tombes vencido. É que afinal os campos verdes não são senão o prolongamento esburacado da estrada por onde te tens conduzido toda a vida.
Lá atrás nem tudo já é tão mau assim. Os esqueletos no armário e as mochilas com que te carregaram, afinal nem incomodam assim tanto. Resta-te a resignação e as recordações do filme mental dos momentos. Os bons e os maus. Desses que valem e justificam a vida.
A opção pela mudança será sempre tua. O livre arbitrio da tua consciência ditará o novo caminho e a nova etapa. Mas o salto no escuro, mal planeado e levado pela urgência, por mais tentador que seja, leva quase sempre a um voltar atrás de rabo entre as pernas, tipo cachorro vadio.

22.6.06

Gota


Alguem k está longe merece este poema lindo k um dia recebi por sms.

És
O corpo que me desafia
A percorrer cada milímetro de pele.
Sou,
A gota que desliza,
Te beija
E deseja
E se aloja nos teus sentidos
Fazendo-te minha!!

14.6.06

Amizade e sexo...

Das coisas que mais se orgulhava na vida, era das óptimas relações que tinha vindo a construir com muitas pessoas. Especialmente com amigas mulheres.

Da forma intensa com que lhes dizia e mostrava que o seu afecto por elas era verdadeiro e do que isso lhes provoca sabia ele por experiência. Como dizia um vivido amigo, tratava-se simplesmente de deixar marcar nas pessoas. E na verdade era assim mesmo. Tratava-se de deixar a sua marca personalisada nas pessoas que gostava e naquilo que elas eram, de as fazer sentir redutoramente importantes para ele e de tudo o que isso representava nos seus relacionamentos pessoais. Adorava mais tarde conferir que amigos e amigas suas adoptaram como deles um pouco daquilo que lhes transmitia. E de forma natural fazia sentir aos outros que nesta ou naquela situação mais complexa se recordava deles pelos exemplos de vida que legavam. Uma considerável parte do seu mapa genético afectivo e intimo, era assim património de alguns amigos e amigas que o entendiam de forma cumplice e com quem partilhava as suas e deles experiências e exemplos.

Meses atrás por um mero acidente casual, juntou-se a um grupo restrito onde pontificavam trêz das suas amigas que se enquandravam exactamente no quadro anterior. Por sinal bem acompanhadas pelos legitimos compnaheiros. Importante destacar que a situação que á partida poderia ser potencialmente constrangedora não o era para ele. E pela simples razão de que apenas o afectava o que vinha de fora dele. Para ele, solteiro inverterado, mas incapaz de passar mais que duas noites seguidas sem companhia, o facto de ter ali á mesma mesa trêz mulheres e amigas que de uma ou outra forma tinham partilhado a sua intimidade, agravado pelo facto de se encontrarem acompanhadas, era um facto novo mas que enfrentava sem nenhum tipo de receio.

No fundo talvez aquela coincidencia não o fosse. Conhecia qualquer uma delas em profundidade e sabia que entre elas não existia outra afinidade senão ele. Aquelas tres mulheres pertenciam a um restrito grupo cuja ausência lhe pesava nos tempos de solidão. Eram pessoas importantes na sua vida. De cada uma delas guardava as melhores recordações de momentos de infinitas troca de opiniões e experiências pessoais e de noites de sexo inesquecíveis. No fundo cada uma delas era ainda sua amiga e tinha sido amante. E foram suas amantes no sentido de quem ama, porque as amara e ainda amava profundamente da forma mais bonita que se pode amar.

Gostava de cada um delas de forma diferente e por razões díspares. Cada uma representava um tempo maior ou menor na sua vida. Depois de terminada a relação física nunca tinha deixado de sentir por elas a mesma cumplicidade, o mesmo amor, no fundo a mesma amizade. Foram enquanto a chama ardeu, relações perfeitas. Eram hoje tanto ou mais importantes que antes.

Durante todas a sua vida apenas sabia relacionar-se assim. Cumplicidade, sexo, partilha, solidariedade, amizade. Sempre preferira aos homens, ter amigas mulheres. Principalmente aquelas que comungassem os seus gostos simples pela vida e por aquilo que ela proporcionava. Com a mesma felicidade as convidava para ir ao cinema, ao teatro, para um concerto, para passar a noite a fazer amor, uma tarde a passear no areal da praia ou até para ir ao futebol. Ou isto tudo ou nada. Nunca apenas uma possibilidade. Para que os seus relacionamentos fossem verdade todas as hipóteses tinham de ficar em aberto.

Era uma imagem da sua marca e quem o conhecia sabia disso. O prazer da companhia na partilha de prazeres totais tinha de estar subjacente ao prazer da partilha da cama. Porque, na sua opinião, um homem e uma mulher podem continuar a ser amigos mesmo fazendo amor. Deveria ser mesmo, esta a ancora de qualquer relacionamento de amizade entre duas pessoas livres de sexos opostos. Tal como para ele fazer amor sem amizade representava um completo desperdicio de prazer e de energias. Jamais iria para a cama com alguem com quem não existisse a possibilidade de manter, antes ou depois, uma conversa inteligente superior a duas horas.

Ali, naquele momento não planeado, estava bem clara a prova que a sua teoria era correta. Cada uma daquelas mulheres tinha encontrado com quem completar um ciclo nas suas vidas. Nenhuma delas o teria escolhido a ele nem ele se recriminava para isso. Terminada a relação com ele, ficara a ligação afectiva forte e a amizade incondicional. Cumpria-se assim o unico compromisso que tinha estabelecido com elas. Não existir nunca, compromisso nenhum. No fundo era um compromisso de nunca serem comprometidos, o que aquela noite provava á saciedade que resultara.

Nas estradas e caminhos das suas vidas elas trocaram a luxúria das noites vividas no seu modesto T0 em cama de solteiro, pela serenidade de uma queca semanal e um futuro cheio de crianças á volta. A adrenalina de noites inteiras sem dormir, pela paz segura de uma relação de papel passado.

Mas a indestrutibilidade da sua relação com elas não era a cama mas um compromisso bem maior. E ele estava ali bem representado quando em dado momento se olharam os quatro nos olhos e tiveram exactamente a certeza daquilo que estava a passar nas suas mentes. A ternura do momento selou aquelas vidas definitivamente na sua. Com memórias passadas de acontecimentos memoráveis. Com a cumplicidade dos justos e serenos com a vida.

Os amigos podem ser amantes. Tal como os amigos outrora amantes podem continuar a ser amigos toda a vida. Podem e deviam ser!.

13.6.06

Metades de mim!


Metades de mim

Que a força do medo que tenho, não me impeça de ver o que anseio.
Que a morte de tudo em que acredito não me tape os ouvidos e a boca
...Porque metade de mim é o que eu grito... mas a outra metade é cobarde silêncio.

Que aqueles que amo incondicionalmente se mantenham fieis na memória desse amor
Que as mulheres que eu amei sejam para sempre amadas mesmo que distantes
...Porque metade de mim foi partir... mas a outra metade é saudade.

Que as palavras que eu falo não sejam ouvidas como preces, nem repetidas com fervor, apenas respeitadas,
como a única coisa que resta a um homem inundado de tão contraditórios sentimentos
...Porque metade de mim é o que digo... mas a outra metade é o que me obriga a calar.

Que a minha vontade permanente de ir embora se transforme um dia, na calma e na paz que não mereço,
E que a tensão permanente que me corrói por dentro desapareça pelo menos durante um dia
...Porque metade de mim é o que vivi... mas a outra metade é o que sonhei viver.

Que o medo da solidão se afaste, e que o silêncio se torne ao menos suportável,
Que o espelho reflita em meu rosto os doces sorrisos perdidos na infância,
...Porque metade de mim é a lembrança do que fui... a outra metade eu não sei.

Que não seja preciso uma simples alegria para me fazer amainar o espírito,
E que o teu silêncio me fale cada vez mais alto na ansia de despertar,
...Porque metade de mim é a linha do horizonte... mas a outra metade é cansaço.

Que a vida me aponte um caminho definitivo, mesmo que ela não saiba por onde,
E que ninguém tente obstruir essa estrada, porque o que ficou atrás está demasiado perto e o destino muito longe
...Porque metade de mim é esperança... e a outra metade é derrota.

Que os males que provoquei não se apaguem da memória dos outros
E que as recordações me mantenham lúcido na alquimia dos anos vividos.
Porque metade de mim foi cumplicidade.... e a outra metade foi arrependimento.

E que os erros, maus caminhos e loucuras assumidas, sejam perdoadas por quem me amar,
...Porque metade de mim é ainda amor.... e a outra metade, também.

Será isto uma carta de amôr?


Paixão,

quero que me escutes simplesmente
as palavras aqui vão escritas são de alguem
que em consciência sabe não poder ainda falar tudo
porque a nossa história não tem nada de convencional
e o mundo é cruel para aqueles que ousam inovar
porque quero muito um final feliz mas sei quão longo é o caminho

peço-te que leias estas palavras e as entendas
porque elas comemoram o reencontro interior de um homem ferido
que considerava ter perdido para sempre a capacidade de amar e ser amado
mas que descobriu em ti que afinal ainda vale a pena abrir o coração

durante os ultimos anos fiz de conta
que sentir algo assim não era importante nem necessário
mas é
e foste tú a provar-mo de forma inequivoca e indiscutível
e hoje este sentimento que me arrebata e motiva
não só é demasiado importante como começa a ser imprescindível

és talvêz a pessoa mais especial que conheci em toda a minha vida
não por seres muito bonita ou porque partilhes o gosto por coisas minhas
mas por algo bem mais profundo que beleza e afinidades ocasionais
porque te prometes-te inteira e te cumpriste na verdade e na entrega
porque adivinhas-te-nos os desejos mais simples
porque me deixas-te descobrir-te revelando-me aquilo que parecia perdido

sentires por mim amôr ou não pouco me importa neste momento
quero apenas dizer-te de forma bem clara aquilo que me vai dentro
quero falar-te da crescente dimensão da paixão que me invade a cada dia
dos desejos mal contidos de te ter a cada minuto
do ego ampliado pela vaidade de sentir meu corpo dentro do teu
do orgulho machista marialva e felizmente já esquecido
de saber que te fiz sentir mulher completa
dos extases partilhados em unissono na mais absoluta simbiose de corpo e mente
do poder estar ali ao teu lado completo e realizado
de te saber entregue por loucura e paixão
de te entregar-me todo a ti, recebendo-te

quero falar-te ainda dos sentidos
da vontade de te sentir comigo quando estás ausente
daquele presentimento unico de saber que vais chegar
das esperas angustiadas e ampliadas pelo desejo
dos encontros roubados á clandestinidade de uma qualquer cama
dos cheiros do tacto da pele queimando
da magia dos desejos em lava vindos de dentro de cada um
dos momentos mágicos em que teus lábios procuram os meus
dos corpos transpirados e partilhados e abusados
das palavras doces e provocatórias ditas com a vóz rouca do desejo
da serena dor dos momentos das partidas atenuada pela certeza dos regressos
... dos doces reencontros em que tudo recomeça

quero falar-te do meu eu mais intimo
da minha solidão quando estás fisicamente ausente
de quando mentalmente te convoco a mim e tú docemente vens
das minhas mãos que imagino as tuas repartindo caricias no meu corpo
dos meus dedos que guiam teus lábios desenhando circulos no meu peito
do sentir-te ali completa e inteira renovando em mim a paixão inacabada

quero falar-te de sublimes momentos mesmo simples ou menos importantes
como olhar o mar ou o horizonte no fim da tarde
como roubar um sorriso a uma criança
como revisitar o princepezinho pela milésima vêz
como lêr baixinho um poema de Florbela
como abrir uma porta antes fechada
... é na tua companhia que me sinto

não sou melhor ou pior que ninguem
sou apenas alguem que se atravessou no teu caminho
e se oferece hoje para dividir contigo a estrada
alguem que sabe ir cometer muitos erros nesta viagem
mas que te afirma estar disposto a pagar qualquer que seja o preço
... desde que a recompensa sejas tú

que quer reaprender a viver com a paixão que me ensinas dia a dia
sem ansia posse ou ciúme

mas antes de uma forma objectiva e nova
em que a partilha e a cumplicidade seja a unica regra obrigatória
quero ainda que saibas que apostarei a vida para o conseguir
com esperança com vontade e sobretudo com a serenidade que me transmites.

mas não foi apenas por isto que te escrevi estas palavras

a intenção primeira é dizer-te
que estou apaixonado por ti e que esta paixão me dá mt felicidade
porque que és um ser humano lindo e generosa
porque és uma mulher lúcida e inteligente
porque és uma mãe dedicada e presente
porque és uma amante unica e muito sensual
porque te quero e desejo muito fazer feliz
porque me sinto cada dia mais próximo de ti
porque partilhamos muitos identicos anseios

a intenção ultima é deixar-te a certeza de que sei convictamente
que amor não se compra ou se vende ou se inventa
conquista-se primeiro dentro de nós
que amor e paixão não se retribuem por apenas sexo
ou se enraízam na alma...
ou são apenas palavras

8.6.06

Irmã branca de coração africano!

Por alguma razão de espermatezóides XX mais lentos que os XY, os meus pais nunca tiveram nenhuma filha mulher. Apenas três filhos homens, o que ainda hoje obriga a minha velha mãe a aturar e servir como criada quatro machos egoístas e machistas sempre que se lembram de acampar lá em casa e sentar á mesa ás voltas com cozido á maneira dela, queijo de ovelha com presunto e vinho tinto carrascão do velho. O que ela diz fazer com muito prazer, o que é um dos enigmas da minha vida pois não gostaria de pensar que a velha é mentirosa e não entendo o porquê de tal prazer. Mas adiante..
O motivo desta prosa prende-se com o facto de eu ter adoptado, não sei se é o termo correto, uma irmã. Reflexo da inaptidão dos espermatezóides do kota ou não sei bem porquê, aconteceu numa fase da vida necessitar de uma alma femenina para desabafar. Trocando por miúdos. Adoptámo-nos um ao outro pela internet e depois selámos a escritura de adopção e amizade num dia e noite inesquecíveis na velha cidade de Coimbra já lá vão uns anitos. E hoje somos irmãos e amo-a assim mesmo. Raramente falamos mas sei que está lá. Nem sempre das poucas vezes que tenho oportunidade a vou visitar mas ela não se amofina com isso. De vêz em quando mando-lhe uma mensagem e leio-lhe os poemas todos os dias. De quando em vêz ela lê-me nas prosas e deve lembrar-se de mim algumas vezes tambem. Tudo normal, parecemos irmãos de sangue.
Hoje lembrei-me dela. Não por causa de algum poema mais inspirado escrito por ela, mas porque completou mais um aniversário. E para parecermos ainda mais irmãos de verdade eu não vou sequer incomodá-la a telefonar-lhe e quero apenas reafirmar que a amarei sempre porque os irmãos normalmente não se escolhem e a esta mana eu escolhi. Sinto falta dela, gosto dela, ela é talentosa, tem manias estranhas e um blog chamado romadevidro.blogspot.com. Chamo-lhe a minha mana preta e ela chama-me mano mulato e pronto... parabens mana.

Hoje se te desse uma prenda em mão lia-te olhos nos olhos e em vóz alta com sotaque desta Africa que amamos, este poema do velho embondeiro Luandino de que ambos devemos ter uma costela vertical:

SONS

A guitarra
é som antepassado

Partiram-se as cordas
esticadas pela vida.

Chorei fado.

Que importa hoje
se o recuso:

o ngoma é o som adivinhado!

30.5.06

Vida


nasci e cresci nos tempos de trevas
senti-me homem num quarto á hora
em carne de femea alugada
puseram-ne uma arma nas mãos
mas não matei nem mutilei
combati por causas perdidas
mas saí sempre com ideais mais fortes
meti-me por trilhos sem rumo
mas cheguei sempre a algum lugar
sobrevivi de parcas malvas
passei fome mas nunca roubei
fiz filhos em mulheres erradas
mas a todas amei e respeitei
servi a senhores injustos
serviram-me porque os deixei

no fim...

não me arrependo pela vida
estou vivo
porque sei que errei

29.5.06

Lucas Sithole o suicída voluntário


Lucas Sithole estava farto da vida! Carregado de dívidas em todas as barracas da vizinhança, com um ano salários por receber, os quatro filhos metidos nos negócios do Estrela com cadastro mais sujo que caixote de lixo do Malanga, a filha rumando noite sim noite sim até á Feira Popular sob pretexto de visitar uma amiga doente, a esposa sem parar em casa 4 noites por semana no mukero entre Ressano e o Mandela.

Desesperado, um dia, Lucas resolveu suicidar-se. Atou uma corda numa mafurreira velha do quintal de casa. Esta, estava tão seca quanto a vida de Lucas e o ramo quebrou. Ainda teve de suportar um entorse mais de dois meses e o gozo da vizinhança.

Depois, atirou-se para a frente de um chapa ferrugento. Nada. Travou a tempo! Para complementar o fracasso levou ainda uns sopapos da equipa cobrador/motorista.

Tentou com uma pistola roubada debaixo da esteira do filho mais velho. Encravou ou nem balas tinha.

No meio de uma sessão de sura importada de Quelimane e aproveitando a bebedeira geral, solicitou ajuda ao seu amigo Nhamposse, conhecido assaltante e hábil manejador do instrumento cortante, para que este lhe espetasse uma faca no coração. Este invocando motivações religiosas recusou. Era Adventista de Sétimo Dia e aos sábados não trabalhava.

Experimentou com veneno depois de cuidadosamente têr estudado os fornecedores do produto no mercado de Xipamanine. Estava fora do prazo ou era falso. Ainda ganhou uma valente dor de barriga, uma diarreia sanguínolenta e a passagem pelas urgência do hospital de Mavalane..

Estava desesperado! Tinha de encontrar uma solução infalível á prova de mais humilhações. Sózinho em casa numa manhã de ressaca, ligou a televisão. Estava a começar o noticiário matinal da TVM num radioso dia 1º de Maio, Dia do Trabalhador. Foi aí que finalmente viu a luz ao fim do túnel. Era isso! Não podia falhar! Vestiu umas calças á pressa e escolheu no cesto arrumado no canto da sala uma t-shirt amarrotada e abandonada que um dos filhos tinha deixado esquecida por ali. Tambem raramente alguem tivera a coragem de a vestir pois apresentava a imagem de um dos lideres do maior partido oposisionista na frente e uma passaroco mal afamado nas costas. Enfiou uns chinelos, saiu de casa em passo apressado e entrou num chapa, deixando-se levar até á Baixa da cidade.

Ao fim de algum tempo, chegou ao seu destino. Na praça dos Trabalhadores a agitação era geral. O discurso do Presidente ouvia-se por toda a zona portuária aumentado por potentes colunas de som. Falava entusiasmado das conquistas dos trabalhadores, da justiça implacável no combate á corrupção endémica e pela eunésima vêz decretava uma ofensiva generalizada contra o deixa andar que corruía as entranhas do nação e do estado.

As mamanas da OMM ululavam os seus canticos. O povão trabalhador a prazo ou desempregado, batia palmas frenéticamente gritando vivas ao Presidente.

Lucas foi-se entranhando na multidão. Por onde passava as cabeças voltavam-se perante a injúria das imagens da sua vestimenta. Mas ninguem teve coragem de o parar ou interpelar. O seu porte decidido e o factor surpresa jogaram a seu favôr. Quando estava bem perto do palanque imobilizou-se e respirou fundo. Uns minutos depois e aproveitando uma providencial pausa presidencial no desenrolar do discurso, para um copo de água gelada e retemperadora, gritou com toda a força que lhe restava:

-QUEREMOS OS ASSASSINOS DE SIBA-SIBA E CARDOSO JULGADOS!!!

Até o Presidente se engasgou, interrompendo o sorvêr da água gelada e o discurso! As mamanas da OMM silenciaram-se. O povão deixou as palmas e apurou os auriculares orificios. Lucas aproveitou os segundos de silêncio para voltar á carga:

-QUEREMOS TODOS OS CORRUPTOS NA CADEIA!!

Desde os paus de bandeira aos disticos contra e a favôr, passando pelas proletárias ferramentas de manifestação, tudo serviu para fazer calar aquela vós dissonante. Contam até algumas oficiosas testemunhas que o nosso herói sucumbiu com um evidente sorriso de vitória nos lábios. O que ainda mais enfureceu a turba e provávelmente acelerou o seu fim.
Da restante história de Lucas Sithole, o suicida voluntário, conferi eu num retangulo pequeno, sem fotografia na página de necreologia do Jornal Noticias do dia seguinte. O enterro no cemitério de Lhanguene foi acompanhado apenas por familiares e por alguns dos muitos credores.

24.5.06

Texto para uma separação


Ora bem…, olha bem para mim!!
Vamos acertar contas
Porque é no dia de hoje
Que vou embora para sempre!
Mas antes, por favôr
Queres me devolver o equilíbrio?
Queres me dizer porque a paixão sumiu?
Queres me devolver o sono infantil?
Queres te sentar e meu coração consertar?
Queres me deixar assim?
Quer tirar a mão de cima de mim?

Ora bem…, olha bem para mim!!
Queres parar de rezar para chegar o meu fim?
Queres parar de triturar minha alma assim ?
Queres parar de moer no meu próprio cerebro?
Vem cá…,desculpa,não vou embora assim...
Antes, queres ter a fineza de colar-me a alma?

Ora bem…, olha bem para mim!!
Assim: Agora fica de joelhos!
e comeca a cuspir todos os meus beijos.
Assim: Agora recolhe!
e engole a saliva destas línguas.
Varre com a língua meus anseios
Não haverá mais arfares, pulsações,
suores e instintos animais.
Gastaste-me o tempo e não tenho mais.

Ora bem…, olha bem para mim!!
Hoje eu me suicido ingerindo tuas fezes.
Trata-se efectivamente de um despejo.
Renego essa mentira que chamámos de desejo.
Desejo nenhum agora eu vejo.
Pronto, última e derradeira revista
Fica também com esse logro
A que chamaste de amor à primeira vista.

Ora bem, olha bem para mim!!
Limpa esse gosto de seio da minha boca!
E fica com esses presentes que deste:
A caixa de pau, com aroma a perfume,
O relógio da tanga com cabeça oca!
Tira de ti esse sentimento de penetração
esse modo sensual com que me levavas a possuír-te
Esses ritmos de ida e volta e ida e volta
essa humilhante esfregação a que chamaste de tesão.

Ora bem, olha bem para mim!!
Pronto.
Vou partir!
Estou calmo. Quero ficar sózinho
eu com a minha alma.
Agora posso ir.

Adaptado por Lins Carvalho de um poema com o mesmo nome mas criado no feminino

19.5.06

E por que haverias de querer...


E por que haverias de querer minha alma na tua cama?

Disse palavras líquidas, deleitosas, ásperas,
obscenas, porque era assim que gostávamos e me pedias.
Mas não menti gozo, prazer ou lascívia
nem omiti que a alma está além, buscando aquela e a outra. E não menti quando te jurei e te repito: por que haverias de querer minha alma na tua cama?
Jubila-te da memória de coitos e de acertos. Ou tenta-me de novo. ...Obriga-me.
(autor desconhecido)