5.12.07

Demónios


Era apenas mais uma tarde de inicio de verão.

O livre arbítrio levou-nos, acompanhados de um amontoado de gente anónima e apressada, para dentro de um elevador de paredes escuras. Viagem curta mas com diversas paragens e alguma ansiedade.

Na pouca luz cumplice, os nossos olhares tocaram-se e durante segundos, ignorando a mole humana que nos redeava, trocaram em código a universal linguagem da cumplicidade acendendo sentidos e promessas.

À saída deixas-te-me um sorriso que acabou com toda a postura distante que tentara manter durante a breve viagem. Enquanto as portas se fechavam nas tuas costas, todos os olhares dos passageiros de ocasião se direcionaram para a minha atónita face, com evidente expressão de cumplicidade ou inveja mal disfarçada.

Desde esse dia, a expressão única dos teus olhos e o teu sorriso atrevido e belo, agarraram-se-me aos sentidos como um fotograma impresso na memória, provávelmente manipulado pelos muitos demónios que me habitam.

Vou serenando os luciferes, relembrando-lhes que a água nunca mais volta a passar debaixo da mesma ponte. Que aquilo que os simples chamam de destino é senão uma ratoeira para os incautos ou pouco avisados. Se já tenho o CV carregado de medalhas de papel gasto e a alma repleta de nódoas negras de outras batalhas e outras viagens. Autistas, com regularidade e presistencia demoniaca, eles voltam á carga, invocando argumentos com pouco sentido e ainda menos probabilidades de não serem senão o canto da sereia antes do abismo. No fundo eu sei que eles adoram ver-me na fogueira por isso vão preparando o fogo.

Vou resistindo por enquanto. Não sei por quanto tempo mais.

26.11.07

Morte anunciada


..."Morre lentamente quem evita uma paixão, quem prefere o
negro sobre o branco e os pontos sobre os "is" em detrimento de um
redemoinho de emoções justamente as que resgatam o brilho dos olhos,
sorrisos dos bocejos, corações aos tropeços e sentimentos.

Morre lentamente quem não vira a mesa quando está infeliz,
quem não arrisca o certo pelo incerto para ir atrás de um
sonho, quem não se permite pelo menos uma vez na vida
fugir dos conselhos sensatos."...

Pablo Neruda

24.11.07

Metades


se não encontras a tua metade da laranja, não desanimes,
procura a metade do limão, põe-lhe açúcar, aguardente e gelo e...

21.11.07

Escreve-me ...


Escreve-me!
Ainda que seja só
Uma palavra, uma palavra apenas,
Suave como o teu nome e casta
Como um perfume casto d'açucenas!

Escreve-me!
Há tanto, há tanto tempo
Que te não vejo, amor!
Meu coração
Morreu já, e no mundo aos pobres mortos
Ninguém nega uma frase d'oração!

"Amo-te!"
Cinco letras pequeninas,
Folhas leves e tenras de boninas,
Um poema d'amor e felicidade!

Não queres mandar-me esta palavra apenas?
Olha, manda então...brandas...serenas...
Cinco pétalas roxas de saudade...

Florbela Espanca

6.11.07

Fazes-me falta


Foi no cinema, lembras-te? Les Parapluies de Cherbourg, um filme deslumbrantemente kitsch, tinha de ser. Entraste tarde, surgiste-me nas ultimas golfadas da música de Michel Legrand, já eu estava a instalar-me na delicia das lágrimas. Os filmes trágico-corriqueiros eram a minha purga semestral, apagava os fusiveis cerebrais, chorava na escuridão como uma menina e saía limpo e luzidio. Entraste tarde, caíste, ofegante, na cadeira ao meu lado. Depois disseste-me que foi nesse momento que os nossos olhos se encontraram. Mas eu não me lembro dos teus olhos. Lembro-me sim do odor do teu corpo, uma mistura excitante de rosas, canela e sexo. Talvez trouxesses ainda o cheiro de algum dos teus amantes – eras uma verdadeira Torre do Tombo passional e estavas sempre disposta a ir repescar uns dados esquecidos a uma pasta antiga.

Mas nessa altura eu nem sequer sabia isso. E nunca me aproximara tanto do teu corpo. O teu cheiro surpreendeu-me pela delicadeza e pela névoa erótica. Encostei o meu braço ao teu e comecei a transpirar. Sentia uma vontade violenta de me desmoronar em ti. Não, não era fazer amor. Fazer amor não existe, porra, o amor não se faz. O amor desaba sobre nós já feito, não o controlamos – por isso o sistema se cansa tanto a substitui-lo pelo sexo, coisa gráfica, aparentemente moldável. Tambem não era foder, fornicar, copular – essas palavras violentas com que tentamos rebentar o amor. Como se fosse possível. Como se o amor não fosse essa fornicação metafisica que nos diz respeito – sofremos-lhe apenas os estilhaços que nos roubam vida e vontade. Eu queria oferecer-te o meu corpo para que o absorvesses no teu. Para que me fizesses desaparecer nos teus ossos. Eu educado no preceito alimentar de que os rapazes comem as raparigas, depois de uma vida inteira de dominio dos talheres queria agora ser comido por ti. Queria entregar-me nas tuas mãos.

E entreguei-me – terás percebido isso? Deixei de saber quem era. Continuo a precisar de ti para existir. Para dormir. Um dia confessei-te que tinha insónias. Terei chegado a explicar-te que as Variações Goldberg de Bach nasceram de um pedido do Conde Kaiserling, que lhe solicitara um tratamento para as insónias? E que por isso Bach escreveu as variações de acordo com uma receita que exigia «uma invariabilidade constante da harmonia fundamental»? Conversávamos pela noite dentro em tua casa, tú já mal conseguias manter as palpebras levantadas. Pedi-te que me deixasses ficar mais um bocadinho, porque me custava entrar em casa sem sono. Pegaste-me na mão,
- anda comigo!
e levaste-me para a cama. Enroscaste-te em mim e começas-te a coçar-me as costas muito devagar. Dormimos muitas e muitas vezes assim – e nunca, nem por um segundo, pensámos em fazer aquilo a que os inocentes chamam sexo. Falámos muito disso sim – desse acto a que as pessoas vão chamando sexo ou amor consoante as conveniências e as circunstancias. Esse acto que as pessoas vão repetindo até á mais exaustiva solidão. Nós não podiamos prescindir um do outro. Não podíamos entrar no infinito jogo finito do corpo. Derramei sobre a tua vida, por incontáveis noites, os meus breves amores perfeitos, pormenor a pormenor. E tu derramas-te sobre a minha as tuas paixões impossíveis, impossíveis de apagar.
Desejo-te tanto, ainda.



Inês Pedrosa - "Fazes-me Falta" - Publicações Dom Quixote

25.10.07

Grito último

Tenho o ventre cheio de palavras.
Não se expelem, as malditas!
Enchem-me de sons e becos
que sei, amor, nada dizem.
Nada para além do indizível.

Embalo-te num afago e sei
que a tua dor foi e é e será a minha.
Afinal...
estamos juntos no abismo da vida.
Afinal só tu poderias entender
o beijo que não sei beijar nas palavras.

Só tu poderias carregar a minha
dor contigo. Nos teus genes.
Na tua incapacidade de ser.
Na tua imperfeição tão perfeita,
meu amor. Tão...
perfeita.

Fogem-me as palavras
o grito último.
Repouso no teu colo
e beijo-te os dedos, faminta.

Só tu meu amor.
Só tu.

(Fairy-Morgaine)

10.10.07

Nada em troca!

"Não confundas o amor com o delírio da posse, que acarreta os piores sofrimentos. Porque, contrariamente à opinião comum, o amor não faz sofrer. O instinto de propriedade, que é o contrário do amor, esse é que faz sofrer. (...) Eu sei assim reconhecer aquele que ama verdadeiramente: é que ele não pode ser prejudicado. O amor verdadeiro começa lá onde não se espera mais nada em troca."
(Antoine de Saint-Exupéry)

9.10.07

Infernos

Existem duas maneiras de não sofrer. A primeira é fácil para a maioria das pessoas: aceitar o inferno e tornar-se parte deste até o ponto de deixar de percebê-lo. A segunda é arriscada e exige atenção e aprendizagem contínuas: tentar saber reconhecer quem e o que no meio do inferno não é inferno, e preservá-lo e assim abrir espaços de precepção.” (150)
Ítalo Calvino- "As cidades invisíveis"

14.9.07

Madeleine


É impossível ficar indiferente perante o desenrolar dos acontecimentos relacionados com o desaparecimento em Portugal da menina inglesa chamada Madeleine McCann.

Nos ultimos dias este caso atingiu foros de surrealismo sem limites com as investigações da policia e a procuradoria da justiça a envolverem os pais no desaparecimento da menina. Nesta onda de muitas palavras e pouco bom senso a imprensa tem desempenhado bem o papel de incendiario travestido de bombeiro.

Como pai e pessoa de bem, recuso-me sequer a imaginar aquilo que muitos já dão como factos consumados. E ainda nessa qualidade manterei até prova em contrário uma esperança inquebrável que aqueles olhos meigos não se fecharam para sempre e que as lágrimas derramadas pelos pais não eram de crocodilo.

É em ocasiões como esta que sinto alguma inveja daqueles que acreditam que rezando, o mundo poderia ser diferente.

4.9.07

Africa misteriosa!

Para quê ir á escola se a geografia ainda por explorar está nas formas únicas do meu corpo, a história da humanidade se pode aprender nos meus olhos, a biologia das paixões se vive nos meus lábios, a química da verdadeira fórmula do amor resulta dos meus beijos e tudo quanto se criou de verdadeiramente belo no mundo até hoje, partiu de dentro de mim!!!

14.8.07

Memórias a preto e branco


estranho.
consta por aí que nos amámos em tempos. que o nosso amor até afrontou a moral vigente nas regras da cartilha retrógada, instituída por aqueles que por falta de vida própria vivem a dos outros. referem pormenores sórdidos e passiveis até de excomunhão. falam de caricias infames partilhadas em público enquanto os corpos transpirados se colavam nas pistas de dança. citam os beijos prolongados até á exaustão com o mar como fundo e o sol quente de dezembro como cumplice. criticam as mãos ousadas que trocavam de corpo debaixo dos casacos nos nossos passeios de fim de tarde pela marginal.

estranho.
não me recordo de absolutamente nada destes factos. não sinto nem guardo mais nada deste tempo que não seja medo. medo de a partir do nada que eu diga ou faça, recomeçar mais uma qualquer acusação gratuita e falsa. medo da incontrolável loucura que te possue
de cada vêz que deixas entrar em ti a irracionalidade da doença incurável do ciúme. medo de um dia não ousar conter a raiva e em vêz de bater com a porta, bater-te a ti. medo de mim. medo daquilo que não consigo compreender por mais esforço que faça. medo de antes de desistir voltar a insistir.

Estranho.
Instalou-se-me uma branca que apagou todo o arco iris de quatro anos de vida. espero que o tempo ajude tambem a apagar o buraco negro em que me meti.

27.7.07

Porque me esperas?

Porque me dizes que esperavas mais de mim? Porquê esperar algo de alguem que nada tem? Porque não racionalizas enquanto esperas, aquilo que podias ter dado a mais, esperando menos?.

Não quero mais obrigações morais, infidelidades escondidas ou passeios de familia para enganar a vizinhança.

Não quero dar mais nada por simpatia ou moralismos. Dei tudo quanto tinha a dar e o que tive de volta basta.

Nem receber, porque assim estou bem. Recebi tudo quanto me devias, porque nada. Paixão, sexo, tesão, não se trocam, vivem-se. Mãos, linguas e corpos transpirados não se repartem, oferececem-se. Amor, carinho, e atenção não se exigem, merecem-se.

De ti quero apenas a distancia entre o silêncio completo e o olhar cumplice. Nada de palavras e cobranças fisicas ou morais. Melhor ainda. Porque sou imoral tal como afirmas, quero a estrada livre para ir e voltar. Sem prévio aviso. Quando o corpo me pedir o teu e o teu me aceitar assim.

Tal como o predador da noite, quero a cancela aberta, escancarada. O salvo conduto para o abismo de onde ambos não merecemos sair.

Mas por favôr, não me exijas em troca que venda a consciência ao desbarato.

30.6.07

As sete maravilhas da blogosfera


Depois de bondosamente votado para As Sete Maravilhas da Blogosfera, nacostadoindico não poderia deixar de participar na nomeação, apesar da subjectividade das opiniões de cada um. Aqui ficam as nomeações cá da casa:
Momentos de Vida - "Qual será o tamanho do Claustro neste cérebro? Uma tempestade tropical de progesterona. Um fenómeno que, ou muito nos enganamos, ainda acaba perpétuado nas montras de muita livraria"

Crónicas - "Intimo, intimista. Revolta interior que transborda para quem lê. Um Xokolate muito doce"

Womanhood - "Tú sabes porquê"

Contos Secretos - "Um hábito diário de auto-carinho. Indispensável"

Ma-chamba - "A verdade contada por quem sabe. A opinião que vale a pena lêr"

Passeai Flores - "O mundo dos baixinhos contado por uma mãe super talentosa"

Cenas de Gaja - "A Princesa que nunca cresce. Sissi no conturbado e confuso mundo dos grandes. Inteligente e pouco convencional"



Existem claro muitos outras praias onde nos perdemos. Mas estas são de visita obrigatória.

25.6.07

Surreal


Quando, ao fim de quatro turtuosos anos de vivência feita de inconscientes surrealismos em que os melhores momentos são os raros períodos de silêncio ou a partilhada paixão pelos filhos, como se distingue o que é a normalidade nas desconexas conversas de surdos que caracterizam o fim da estrada?

Prova de saúde mental não será conseguir sair de um pesadelo destes sem andar a falar sózinho pelas ruas?
Bem... eu ainda ando ás vezes... mas menos agora que á uma semana atrás...

13.6.07

Retalhos de uma semana em farrapos (cacos)



- “Pai, lá no teu escritório tem cama?” ... ops!!! como explicar...

- “ Pai, esta noite destapei-me e tive frio. Tú não me tapaste. Não me tapaste porquê? ....
fod......

- “Paizinho, tú na lavas os dentes pq eu vi a tua escova lá em casa na casa de banho!” ...
será possível k ela ande á procura das minhas coisas pela casa?

- "Paizinho akela foto onde o André e o Daniel estão a rir e a olhar pa mim, k estava na tua mesa a Julia escondeu ou alguem roubou!! ... não minha filha... apenas mudou de mesa... (confirma-se. ela anda á procura dos meus objectos pela casa...)

- "Pai, já não me dizes mais a palavra mágica quando eu acordo?" ....
digo filha, a cada minuto e em cada lágrima, “amo-te”..

- “Pai tu já não gostas da mamy?” ....
desta não me vou safar sem responder...

-“Pai, se não subires para almoçar eu tambem não almoço e prontos...”
....fogo... e agora?

- “ Pai, fecha a luz do escritório e vem agora. Tens de tomar banho e descer comigo. Já tá a ficar tarde e o meu professor fica triste quando chego tarde”.. 6,30 da manhã ao telefone...

- ”Pai sobe comigo ao colo. Tou cansada, estudei mt hoje... depois podes descer e ir trabalhar!” ...
não minha filha se subir vou acabar por descer a chorar outra vêz... pior k isso... já estou...

- "Papá eu amanhã vou trabalhar contigo... depois vamos almoçar... e depois tu vais trabalhar até ser noite e eu vou andar na bicicleta lá no teu escritório. Vou estar todo o dia contigo”... fod.. mais uma vêz k dói tanto...

- "Pai.. eu não quero cantar aquela canção... tú já não cantas comigo!!!”...
pois não... perdi a vóz, meu amor.. o nó na garganta não sai...

7.6.07

Ajuda-me!

Preciso que me ajudes a esquecer-te, que ponhas mãos à obra, que faças qualquer coisa que se veja. Preciso que pegues no batente, que te esforces um bocadinho, que dês à manivela, que carregues no botão, porque é imperioso esquecer-te. Diz-me que sou feia, que estou velha, que sou tola; diz-me que é ridículo, este amor enganado, impossível, desnecessário, incómodo, que já dura muito para lá do que é aceitável. Atira-me com todo o desprezo que tens à cara, toma balanço, como se uma tarte de natas num filme mudo; deita-me a língua de fora, vira-me as costas, escarnece. Por favor, escarnece. Diz-me que sou absurda, desmesurada, desregulada, que não tens paciência, que estou doida. Encolhe os ombros com enfado, isso, assim. Repete que não me queres ver, ri-te, com pena, encharca-me de pena, olha-me como se eu um cachorro abandonado, que é o que sou. Enxota-me, repete, paternalmente, com asquerosa condescendência, que já não tenho idade, que são coisas de miúda, que devia ter juízo, que não tens tempo nem condições para atentares nos meus desejos vãos de louca varrida. Manda-me passear, bugiar, dar uma volta ao bilhar grande, ver se estás na esquina, que me dás um tiro. Diz-me que te maço, que não me queres por perto, que talvez uma providência cautelar. Manda-me correr para a esquina, que eu irei. Manda-me, que eu irei. Ajuda-me a esquecer-te, que não estou de todo preparada para te amar até ao fim dos meus dias, que grande chatice me foste arranjar, agora, resolve-a, faz qualquer coisa, ajuda-me a esquecer-te.


29.5.07

Sonho


entraste-me no sonho como um mergulho (in)voluntário nas águas revoltas do indico.sabes, desde o dia em que te mudás-te para o outro lado, não consigo passar pela baia sem olhar lá longe na vã tentativa de te observar passeando na areia.
tomás-te de assalto o quarto e o meu corpo e transformàs-te como sempre uma noite serena de sono numa aventura quase louca.
tinhas olheiras escuras e cavadas abaixo dos dois lagos luminosos com que a natureza te brindou. cabelo agora mais comprido, solto e perfumado. a pele fria que vestias sobre o corpo nú arrepiou-me ao primeiro contacto. abracei-te inteira na serena urgência do reencontro enquanto a tua boca percorria caminhos que apenas ela conhece e que invariavelmente me transportam a lugares novos, únicos. usaste-me inteira no tempo sem medida de um sonho, saciando a tua fome de vida e a minha de ti.
o teu corpo e o teu aroma femea. fusão que me persegue em flashback permanente desde aquele fim de tarde memorável que me obrigou a reavaliar tudo quanto considerava saber acerca das muitas formas de amar.
saiste no momento da viagem regressiva da oitava onda, deixando-me como sempre incapaz de te prender ou sequer esboçar um ténue pedido para ficares ate sêr dia.
obrigado pela visita. cumpre-se a promessa jurada entre nós de nunca deixarmos morrer a chama. eu faço a minha parte sonhando-te. tú a tua visitando-me o sono.
apenas um reparo. na próxima noite vem um pouco mais cedo. as madrugadas estão frias e as insónias pós partires entram inexorálvelmente pela manhã, tornando-me o dia numa agridoce ressaca de ti.

25.5.07

Recado


Vem até cá: conversamos um bocadinho o amor que deixámos por fazer, relembramos os parágrafos que nos deslassaram os abraços ferozes e soletramos os beijos que não demos. Partilhemos a vontade ociosa de sermos melhores do que aquilo em que nos tornámos.

24.5.07

Cronicas de vida


sinto-te entre as palavras escritas. e na busca do sentido de cada silaba antevejo o momento em que te amarei de novo e solto a imaginação nas memorias de ti. contigo tudo é sempre novo, imprevisivel como a tempestade. belo como o dia que começa. unico como cada fim de tarde na linha do horizonte.


prisioneiro involuntario me reconheço. acorrentado pelo querer e não dever. dividido entre o tudo a que me dou e o nada que te posso dar.

demasiado do que a vida me ensinou, é no teu corpo confirmado em cada momento de reencontro. por isso vale pena viver-te. por isso te aguardo e te desejo.

11.5.07

A Abstinência


Depois de uma desgastante e dolorosa desilusão amorosa, um sujeito decide entrar na legião estrangeira e oferece-se para servir no Medio Oriente. Depois de alguns meses de permanencia no deserto fazendo segurança a instalações petroliferas, ele não aguenta mais a abstinência sexual.
Pergunta a um amigo se há algum bordel na cidade mais proxima, ou algum outro lugar em que possa encontrar mulheres para acabar com aquele sofrimento. “Aqui, no meio do deserto? Nem penses. Se na folga mensal te metes com as mulheres da cidade e és descoberto, cortam-te o pescoço logo. Nestas terras as coisas são assim. Olha, quando a coisa aperta, a saída são as camelas usadas pelas caravanas que pernoitam por aqui”.
Indignado, ele diz que com camela não. Mais alguns meses se passam, porém, e o sujeito começa a mudar de opinião. Como quem nao quer nada comeca a olhar cada vez mais para as frequentes caravanas que passam defronte do seu posto de guarda. Aos poucos a possibilidade de conhecer biblicamente as camelas não lhe parece uma idéia tão má assim. Decidido, pede ao amigo mais informações sobre as camelas. “Vamos encontrá-las esta noite, depois do turno de guarda. Uma caravana com umas vinte esta acampada ali para norte depois das dunas”. “Contem comigo”, diz o sujeito.
No inicio da noite os turnos terminaram, foram feitas as rendições e toda a companhia sai a correr para a duna onde as camelas estão abrigadas. “Mas por que vai toda a gente a correr?”, pergunta ele. Sem perder o balanço, e em passo acelerado o amigo responde: “Tem de se correr mesmo. Ou queres ficar com as magricelas e as feias?”

10.5.07

Carta a um amigo distante.. I


Meu amigo,
Vivo numa terra imensa, onde os olhos quando observam a linha do horizonte, confundem a lonjura das planicies verdes com a grandiosidade azul do Indico apontando caminhos a outros mundos. Onde os homens se igualam aos imponentes embondeiros de raizes profundas, agarradas á terra fértil e mãe.

Terra de gente boa, de pessoas bonitas, alegres, com um coração tão grande quanto a magnitude única de sofrer na carne seculos a fio a dôr das grilhetas e do ferro e do fôgo, e num unico gesto apaziguador conseguir perdoar.

Um pais tão imenso e
tão grandioso, que a justiça, porque madrasta, mesquinha e pequenina, não chega infelizmente para todos!

8.5.07

Desejo


conta-me a tua noite de amor. transporta-me á
verdadeira dimensão dos teus sentidos para que
te possa desejar cada dia mais.
recuso
sequer pensar em mim para alem de ti. sei que te quero
incondicionalmente. não para sempre mas para
agora. com a urgência do desejo ampliado pela absoluta
necessidade de te sentir.

venda-me os olhos. renuncio á visão de ti
pois os teus olhos de fogo acender-me-ão
o coração. podes até nem falar as palavras doces
e os palavrões que imagino sussuras e gritas nos ouvidos
de quem amas. mas usa as mãos em mim para
me sentir. crava-me as unhas na pele mas
deixa o espirito incólume. marca-me com o ferro
inimitável da teu marca mas não me amarres a
paixões para alem daquilo que me podes dar.

ama-me e deixa-me na boca e espalhado na pele
os cheiros agridoces que o teu corpo de femea exala.
isso. encontrei a dimensão exacta do meu
desejo de ti. tacto e cheiros. corpos
transpirados na busca da plena
entrega. dadiva e recompensa. corpos que
encontram num qualquer vão de escada. os
nossos. sem cobranças nem julgamentos nem
contratos
. paixão descontrole apenas. fogo.

encontro pleno e desencontro. com memória.

3.5.07

Noite de viagem


Amei a tua inquietação; e disseste-me que
te amei sem saber porquê, que as marés anunciavam
o luar que não chegou, que não foi preciso
olhar o fundo transparente das palavras
para que a sua verdade nos tocasse, que a tua mão
colheu o fruto da primeira árvore sem que nada
o impedisse.


Amei-te sem ter a certeza da manhã, sem ouvir
o vento que fez bater as janelas num eco do passado,
sem correr as cortinas do mundo para que
ninguém nos visse, sem apagar do teu rosto
o brilho da vida, enquanto as aves dormiam,
e o licor do sonho se derramava sobre os corpos
que cortavam a noite.


Mas ao seguir o seu rumo, o azul
floresceu das cinzas, a música despontou
dos silêncios da madrugada, e os teus olhos
amanheceram quando me disseste que
te amei, sem saber porquê.

Nuno Júdice em: http://www.aaz-nj.blogspot.com/

30.4.07

Ligeira.. ligeirinha!!!


Ontem, enquanto empurrava o baloiço da Sininho num jardim público da cidade, dei comigo a pensar que nos ultimos tempos, para alem dela, foste a ultima pessoa verdadeiramente importante que disse que me amava. E a memoria surgiu porque foi naquele local que á uns tempos atrás, durante uma manhã de domingo, passei mais de uma hora a segurar o triciclo com uma mão e com a outra a manter o celular colado ao ouvido enquanto tentava em vão, secar-te mais uma torrente de lágrimas daquelas que adoras carpir depois de mais uma noite de espera inglória por alguem.

Hoje recebi de ti um email teu em que falas um tal blogue que te leva a recordar-me ou ouvir-me cada vez que o frequentas.
Já a ti, sinto-te a cada dia mais próxima. Não no teu blogue meio abandonado, mas impondo o ritmo do triciclo ou do baloiço ou ainda naquela forma cada vez mais desconcertante e incisiva dela questionar tudo e quantos a rodeiam. Tanto quis que ali estivesse a tua marca, que aos poucos ela se está a instalar mesmo contigo longe.

23.4.07

Msg SMS



Recorda-te de nós. Não creio que seja dificil lá para onde vais, encontrares um pouco da nossa historia e é o minimo que te posso pedir. Afinal não se vive impunemente um amor como o nosso e se sai incólume como se nada se tivesse passado. E depois espero que essas breves recordações não atrapalhem aquilo que dizes ser o principal objectivo desta tua definitiva ausência. A busca de ti mesma. Demora o tempo necessário e quando encontrares, volta para levar o teu coração que teimosamente recusou entrar na mala permanecendo aqui colado a mim. Só assim seremos verdadeiramente livres um do outro.

15.4.07

Carta


Mãe, hoje foi um dia triste. Hoje um amigo morreu. De malária parece. Aqui morre-se de tanta coisa. Morreu, lá longe aqui de Maputo, nas minhas terras de Cabo Delgado onde deixei tanto suor ao longo de 4 anos de trabalho. Tinha mulher e 3 filhos aqui, dois parece que ainda crianças. Por aí, deixou á mais de 20 anos uns tantos filhos e possivelmente uma mulher á espera. Hoje, já ninguem se deve lembrar dele nem ele se preocupava com isso. Nenhum de nós os amigos sabe sequer de onde era natural ou tem um contacto para informar da sua morte. Tambem não deve fazer grande diferença. Era um resistente daqueles que lhes bastou chegar e respirar o ar desta terra para de imediato decidir nunca mais voltar. Mudou de pátria á mais de 20 anos. Agora vai ser comido pela terra de Maputo. Para isso vai ser necessário um camião de dinheiro para trazer o corpo de quase 2.000 kms. Dinheiro que a familia não tem e nós os amigos estamos a tentar juntar. Nem sei porque nos vamos dar a este esforco. No fundo ficar lá sepultado por Cabo Delgado ou em Maputo seria igual. A terra que o vai comer é a mesma e a ele tanto lhe faz, agora.

Hoje tambem, outro amigo foi hospitalizado porque teve uma hemoragia e o sangue não parava de sair do nariz. Entrou numa clinica onde até a folha onde imprimem a factura se paga caro e a primeira coisa que perguntam quando se entra, mesmo que meio morto, é se tem dinheiro vivo ou cartão crédito. Foi operado duas vezes e está todo ligado com uns tubos que não o deixam comer ou falar. Aqui tem mulher e duas filhas crianças. Ai, mais dois filhos que não vê desde que saiu, porque nunca mais voltou. Não vai morrer desta por certo, tambem é um resistente pois anda por cá a batalhar á mais de 10 anos e não me parece que tenha algum dia posto a hipótese de voltar. Agora, saia daquele hospital recuperado ou morto está lá uma conta por pagar que deve corresponder a mais de 1 ano de salário. A familia não tem o dinheiro e nós os amigos estamos a tentar ajudar. Mais uma vez.

Mas mãe, o que eu queria verdadeiramente dizer-te é que eu tambem sou um resistente como sabes mas hoje pus-me a pensar que possívelmente não sou tanto como pensava. Tenho por cá uma vida, alguns amigos importantes, uma mulher em casa, uma filha linda que ainda não conheces e muitas noites mal dormidas por causa de tudo e mais aquilo que tu sabes porque me conheces melhor que ninguem. Deixei aí dois filhos que amo muito, uma mulher que cansou de esperar, o pai, os manos, os sobrinhos e a ti. E podes crer que ao longo destes anos todos, não acabou um unico dia em que não sinta saudades de todos vocês e que não me pergunte a mim mesmo porque troquei tanta coisa importante por esta vida errante.

Mãe, hoje senti muito a falta de tudo o que não fui e arrependimento pelo que sou. Senti muita vontade de estar ai ao pé de ti. Queria muito abraçar-te como faziamos quando eu ainda não tinha cometido tantos erros e sentia muito menos duvidas. E queria conseguir perceber, que raio de feitiço obriga tanta gente a vir de tão longe e nunca mais querer sair desta terra, tal como me aconteceu a mim.
Termino com um pedido simples mas muito importante. Por favor mãe. Não partas de surpresa sem que eu nao esteja bem perto de ti, sem ter tempo de te dizer nos olhos o quanto te amo e o muito importante que és ainda hoje para mim. E não deixes o pai partir tambem. Cuida dele como tens cuidado de mim sempre. Esperem por mim porque em cada dia que passa, em cada desgosto que me abala, sinto estas amarras a soltarem-se.
Eu sei que vou voltar.

11.4.07

Noites de Maputo I


O alcool corria pelas gargantas quase com a mesma intensidade do som que saía das colunas. Muita. Corpos frenéticos agitavam-se na pista de dança, eles e elas fazendo daquele ritual um evidente acto pré-acasalamento. Outros eles e elas, voando em lugares bem longe dali, palpebras semi-cerradas, escoando mentalmente os efeitos de algum analgésico adquirido de certeza por engano, ao dealer de serviço. Outras e outros preferiam o pouco comodo balcão onde recostavam o corpo em evidente posição de espionagem não fosse passar-se algo na sala que escapasse ao seu olhar prespicaz e lingua viperina.
A noite ameaçava transformar-se em madrugada e aos poucos a fauna ia rumando a outras paragens, apesar de a casa estar ainda meio cheia ou meio vazia conforme os gostos analiticos. Prometia animação extra a hora das vassouras entrarem em acção.

Uma breve nota para explicar aos menos familiarizados nestas coisas, que a hora das vassouras nas discotecas de Maputo é aquele momento final em que os barmans já arrumaram as garrafas e recusam servir o copo pró caminho, os porteiros dormem na cadeira, o DJ recoloca pela vigessima vez o mesmo CD, mas mesmo assim voyers, caçadores, caçadoras e fauna bravia, não arredam pé da pista na esperança genuína de a noite não acabar com um regresso a casa a seco. E um ritual de puro engate, que nada a ficar a perder para as cenas habituais nos cabares da Rua Araujo, carregado de emoções fortes principalmente para quem observa de fora. Que normalmente é quem acaba por carregar com o lixo que ninguem mais quer.

Mas esta cronica de maus costumes tem uma personagem como todas as cronicas. Centremos pois as atencoes no nosso heroi anonimo.
Sob o efeito pouco menos que explosivo de meia duzia de Red Bulls misturados com duplos de JB importado de Beirute, posicionou-se num dos locais de visibilidade mais ampla, uns metros bem acima da sala principal. Durante alguns minutos foi obrigado a um exercicio de habituação visual aos flashes, luzes psicadélicas e raios laser, tambem muito por obra e graça da elevada taxa de alcool que lhe corria e corruía o sangue.

Com a visão o menos turva que era possivel dadas as atenuantes, iniciou o exercicio habitual de localizar uma possivel vitima para partilhar as alegrias esfuziantes do final da noite e se possivel as agruras da babaláza no final da manhã. Para isso usava um truque absolutamente inovador de acordo com a sua precepção própria de modernidade. Começava por analisar toda a planicie e áreas limitrofes. Pista de dança, palco, perimetro do balção e cantos menos escuros. Onde visualmente existisse mais carne á vista por m2, seria a sua área restrita de caça. Uma especie de reserva exclusiva ou de forma mais crua, o dumbanengue.

Os factores combinados, pouca roupa muita carne, indiciava a partida um menor risco de insussesso nesta complicada tarefa de caçar em terrenos tão férteis quanto cheios de inusitadas surpresas.
Com as coordenadas da área de envolvimento bem defenidas, faria a aproximação em circulos cada vez mais fechados até ficar de frente com a vitima que teria obrigatoriamente de cumprir todos os requesitos pré-programados. Ou, talvez nem todos. Alguns seriam suficientes. Ou, diremos nós que ninguem nos lê muito menos ele, desde que fosse aproximadamente fêmea, esperancada nuns carinhos mesmo que apressados e um pequeno almoco trivial, atendendo as circunstancias e o andiantado da hora, sairia dali com o destino imediato já traçado. A sua flat, castelo onde os castigos finais normalmente eram infligidos.

Alguns minutos de cuidada observação aerea do terreno, foi suficiente para focar e sinalizar um pequeno grupo de quatro ou cinco gazelas multicolores cujo denominador comum coincidia exactamente com os parametros exigidos a si mesmo para esta ocasiao. Pouca roupa mas de cores espampanantes, muita carne á vista tanto nos membros inferiores como nos dorsos, tissagens e extencoes para todos os gostos e cores e, sobretudo, uma evidente excitacao de corpos que se marrabentavam entre si na busca de contactos fisicos a pedirem urgência de muito mais transpiração que aquela proporcionada pelo ritmo da musica.
Estava ali o quadro perfeito e preferencial da sua programada investida naquela planicie muito frequentada por diversos tipos e raças de caçadores e presas, mas raramente trabalhada a preceito por experts do seu gabarito.

....continua.... em breve....

Sem titulo


No "umamoratrevido" encontrei esta pérola. Mesmo sabendo que os direitos de autor são reservados não resisti.

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Nunca me deixaram antes, sabes, fui eu sempre que fugi, trancas à porta, adeus que se faz tarde. Nunca me esqueceram primeiro nem nunca amei quem não me amou. Não é presunção, é questão de me fazer todo o sentido: o Amor é um encontro de vontades no espaço sideral, é um nó que flutua, solto, mas que não se desfaz enquanto as duas pontas não se desentrelaçarem em simultâneo. Como poderia amar-te se tu não me amasses de volta? Como poderia amar-te sem conhecer, compreender e aceitar os termos do teu Amor? Se apenas eu te quisesse, o meu querer seria a ponta solta de um cabo eléctrico à deriva numa poça de água, sem rumo, apenas à procura de fazer doer a alguém. Por isso acho estranho, continuar a chorar às escondidas por ti, quando, supostamente e de acordo com todas as regras do bom-senso e da boa vida, tu já nem te lembras que existo. Que sentido faria, encolher-me os joelhos como uma miúda acossada pelos mais velhos e remeter-me, triste, o rosto entre mãos, para o canto do recreio, se tu não recordasses ainda os traços que me compõem o rosto? Seguro de que não te amaria, se não viesses igualmente ao meu encontro, se não corresses algures na minha direcção. Nunca poderia ter continuado a dar-te colo, se me tivesses virado as costas, nunca poderia amar-te as costas, o teu encolher de ombros, esse gingar de ancas desacauteladas. Não entendes? Tens de estar à minha volta, a rondar-me a teimosia, para que eu ainda me lembre de ti. Tens de, por vezes (só por vezes, é o que basta), dormir comigo e de me fingires tua companhia ao almoço, para eu ainda te ter tanto carinho. Tenho de continuar presente na vontade das tuas mãos, na ponta dos teus dedos. Se eu ainda te amo é porque nos encontramos com frequência a meio caminho um do outro, sobre um lago gelado,um campo de trigo, uma estrada deserta. Ou no reflexo de uma chávena de café, no períneo da cidade morta.

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30.3.07

Memorial


Hoje, como rotineiramente acontece todas as manhãs quase madrugada, um pequeno pardal cantador pousou nas grades da janela do quarto principal do castelo e ensaiou o seu cantico habitual, qual Pavaroty de penas.

A Princesa, que já se habituou aquela visita matinal e acredita cegamente na ancestral sabedoria do pai e ele afirma categoricamente que ele, o Pavaroty, pousa ali apenas para lhe dizer bom dia, acordou-me aos gritos.

-Pai.. Pai... ele voltou!

-Ele quem? Perguntei estremunhado debaixo do efeito da babalaza crónica das manhãs.

– Ele... o passarinho... voltou para dizer-me outra vêz “bom dia, menina linda”!

Intrigado com a expressao voltou outra vêz, promovi um inquerito familiar na pessoa da matriarca, alteza do sitio e decifradora habitual daquelas charadas infantis. Que significava aquele voltou? o bicho afinal tinha desaparecido?


-Que sim!, explicou-me a rainha mãe. Desde o dia dos rebentamentos do paiol o animal nunca mais tinha voltado pela manhã e a Princesa andava triste com a ausência do galante trovador.

A ingenuidade e pureza da Princesa culminou num abraço demorado, meigo e cheio de ternura entre “o melhor pai do mundo” e a “filha mais linda do mundo” sobe o olhar ciumento do resto da corte, incluindo amas e serviçais.

Minutos depois não pude deixar de pensar que precisamente á uma semana atrás, da irresponsabilidade e incuria de alguns, confirma-se agora que inimpútaveis, resultou que dezenas de crianças princepes e princesas como a minha, nunca mais ouçam os passaros dizer “bom dia” nem possam abraçar os pais. E tambem eles, reis e rainhas do seu reino eram de certeza os melhores até ao dia em que o seu mundo terminou daquela forma absurdamente evitável.

28.3.07

Rotinas!!

Amaram-se de acordo com os canones da rotina habitual. Ela por baixo, ele por cima esperando o sinal dela. Nada de novo. Nada de beijos ou caricias extras. Apenas sexo, rotina pura, obrigação mutua por cumprir. Quente apenas o mal suportado calor do quarto mal arejado.

Ele transpirando e arfando do esforço fisico, controlava a torrente usando o velho truque de visualizar a sombria cara da sogra megera, ministrando-lhe um dos habituais sermões.

Ela tentando resumir-se naquilo dentro dela, com a cabeça cada vez absorvida nas contas por pagar, na gripe do filho que dormia no quarto ao lado e nos problemas do serviço. Sem qualquer possibilidade de concentração ou prazer. Os olhos fixos no tecto e as gotas de suor que caiam do peito dele directamente no seu rosto inundavam-lhe os olhos de sal. E o peso dele que aumentava a cada mês, ameaçando transforma-lo num bisonte sem fim, incomodava-a e amassava-lhe o corpo.

Sentiu que ele estava já em dificuldades de contenção orgásmica e evidente quebra fisica. A contragosto improvisou um arfar mais fundo e audível! Ele, oportunista, sentiu o sinal e aproveitou para explodir com um reprimido ...ohhhh!!!

Ela fingiu um baixinho ...ahhhh! ainda a tempo de se misturar com o reprimido ...ohhhh!

Ele saiu de cima e enfiou rápidamente os boxers do avesso, agarrou um cigarro e o isqueiro e dirigiu-se ao WC. Ela suspirou de alivio, fechou os olhos e ficou atenta ao momento em que ele regressaria daquela higiene obrigatória. Quando ouviu a porta abrir-se saltou da cama e no corredor, núa, cruzou-se com ele.

-Boa noite amor!

-Boa noite! - disse ele já a bocejar, sem sequer a olhar.

Dez minutos depois deitou-se devagar ao seu lado tendo como companhia apenas o som forte e familiar do ressonar cavernoso que lhe saia do peito. Não demorou tambem a adormecer.

26.3.07

Voz sofucada!!


Os obuses da incúria e da irresponsabilidade
As bombas do desleixo e da indiferença
As balas da absurda impunidade
Os misseis da mentira que destroe a alma

E a voz do medo sufocada...

A tarde que anoiteceu em guerra
De um povo contra si proprio
O sangue gratuito derramado
Desnecessario rio que corre para a morte

E a voz do medo sufocada...

Resignados, recolhemos cadaveres sem nome
Ensurdecidos, escutamos as desculpas gastas
Em silencio, enterramos os mortos
Mudos, engolimos as lagrimas da revolta

E a voz do medo sufocada...

O peito apertado na dor
O grito que não sai da garganta

Patria, mãe amada,
Porque abandonas os teus filhos?

13.3.07

Incompabilidades!!


Abraças-me como se fosse este o teu ultimo mundo. Beijas-me como se nenhum principio ou meio tivesse fim. Amas-me no calor da ultima de muitas noites e usas-me durante as horas em que te sofregamente te amarei incondicionalmente. Amarras-me a ti com as correntes de sentidos que emanam do teu corpo contra o meu, porque convictamente sabes que nunca nos pertenceremos.

Incapazes de parar ou dizer não quando o desejo nos invade e um corpo impiedosamente reclama o outro. Muitas vezes ao longo de muitas luas e alguns eclipses. “Bué” de tempo que quase já se perde na sua própria memória.


Por falar nisso, recordas-te da primeira vez? Eu não. Nem sequer consigo lembrar em que esquina da cidade tropecei contigo. Mas recordo cada segundo cada pormenor, a ultima vez que te amei. Onde, como, e tudo muito que me ofereces. Mais e melhor que na anterior porque em cada encontro fazemos daquelas horas o inicio e o fim de uma vida. A paixao pela vida resumida na procura do extase.
"Não fomos feitos semelhantes para nenhuma das nossas muitas outras vivencias. Incompatibilidade de génios e diferenças insuperáveis de pontos de vista. Genética explica isso", dizes tu habitualmente perante a minha cordata e avisada concordancia.
"Para dançar um tango são necessários dois. Um par em perfeita sintonia. E nós só sabemos dançar tango em momentos destes. Na horizontal e num quarto alugado á hora, atingimos a nota máxima recompensadora não do esforço mas do prazer completo". Acrescentas, convicta.
"A tradicional mistura de preto e branco que nunca dará uma côr viva por mais experimentações que se tentem. Por isso mais vale continuar-mos assim cada um no seu mundo ate que encontremos outros objectivos capazes de suplantar este avassalador desejo mutuo." Contra tais argumentos so sei usar o silencio.

..... "Até á proxima noite minha amante e amiga. E que seja em breve. Para que o teu embriagante cheiro a femea não se desvaneça e o desejo de ti nunca corra o risco de se esquecer de me recordar". Acrescento agora eu em pensamentos, na receosa duvida de que se me ouvisses falar assim, poderias mudar de opinião acerca das nossas incompatibilidades e descobrir a verdade acerca daquilo que me obriga a ti.

20.2.07

Liberdade


"Não é confortável o que te escrevo. Não faço confidências. Antes me metalizo. E não te sou e me sou confortável; minha palavra estala no espaço do dia:

O que saberás de mim é a sombra da flecha que se fincou no alvo. Só pegarei inutilmente uma sombra que não ocupa lugar no espaço, e o que apenas importa é o dardo. Construo algo isento de mim e de ti - eis a minha liberdade que leva à morte."


"AGUA VIVA" - de CLARISSE lISPECTOR

19.2.07

Amanha vou acordar assim!


Hoje a terra rodou ao contrário! Ontem, ja tinha dado sinais evidentes de algo estava errado com o sentido da rotação a sofrer tendencias de espiral. A confirmação veio logo pela manhã via internet reconfirmada logo depois por todas as formas conhecidas mesmo as menos ortodoxas. Em dias assim vale contar apenas com o factor tempo porque ele acaba mesmo por conseguir esgotar-se sem nunca parar. Nem para contar os cadaveres que ficam na estrada. Felizmente.

Para amanhã a previsão não é muito diferente e por consequencia pouco optimista, direi mesmo nada animadora...
Como ficar em casa esta fora de questão, pelo sim pelo não vou armar-me com colete salva vidas, capacete integral e um amuleto daquele curandeiro de Mambone que tenho guardado na gaveta para ocasiões especiais.

Ah! e de manhã vou dar um beijo demorado á Princesa não vá esta coisa complicar-se e mesmo o relogio acabe por se recusar a andar.

17.2.07

Sem comentarios!

Backup




Numa das próximas noites de insonia corto o invisivel cordão umbilical de ti. Apago todo o conteudo do disco e deixo de te amar. Assim mesmo. Mesmo que passe as restantes noites da minha vida sentado nas esplanadas mal iluminadas de bares mal afamados, fugindo de mim. Sabes, pelo menos a partir da segunda hora, as companhias femeninas, tão gastas e deprimidas quanto eu, são todas muito mais interessantes que tú.

13.1.07

Noites Longas


Engavetou a vontade e arrumou o papel e a inspiração. Abortou pela nascença todas as intenções de escrever algo mais profundo. Ludibriou convicção e honestidade. Tentou debalde, apagar da memória os "flachebacks" dos ultimos dias. Deixou-se trespassar impotente pela incontornável certeza de não fazer a minima ideia de como gerir a tempestade originada pelo completo absurdo do mundo em que deixara penetrar. Suicidava-se a cada nova investida navegando á vista da antecamara do cadafalso. O silencio enchia-lhe os timpanos de insuportáveis sons cavos como que memorizados em viníl eterno. Perdera completamente a capacidade de se desligar.

A noite ia longa e a madrugada ameaçava romper apressada. Prolongar a agonia do momento era um exercicio masoquista, inócuo e absolutamente desnecessário. Absorveu-se na vã tentativa de se esquecer ao abandono da cabeça deitada entre os braços na secretária. Mas os nós não se desamarram com pensamentos inconsequentes mas sim com atitudes radicais. As batalhas vencem-se com estratégias e coragem. E esta guerra requeria muito mais do que se municiara em planeamento e vontade.

Desistiu-se quando os primeiros raios de sol espreitaram nas vidraça. Tarde, muito tarde para quem teria de trabalhar dai a poucas horas. Cedo, demasiado cedo, para quem a manhã representava mais um recomeço do pesadelo que ameacava eternizar-se.

8.1.07


Porque tem tudo a ver com quase tudo....
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Quem não veio para jantar? Que
copo ficou por encher, que saúde não chegou
a ser feita? Sim, pensaste que eram passos,
ouvindo o bater da chuva nos vidros. E a vela
ardeu até ao fim, sem que ninguém
desse pela amargura que escorria
por ti, enquanto esperavas que
nada acontecesse.

Mas o anjo da noite andou
à tua volta, como se o ouvisses. O
ruído das suas asas confundiu-se
com o vento que fez cair as últimas
folhas da tua alma. E as palavras
secaram nos teus lábios, enquanto
a noite avançou até ao fundo
da tua vida.

Bebe a taça desta noite; saboreia
cada gota da sua treva. Amanhã,
uma nova luz a encherá com
o seu rumor matinal, para que a tua mesa
não volte a ficar vazia.

Nuno Júdice